Aurélia de Moraes Sarmento [Romanoff] 1869 - [?] Médica, 1.ª mulher diplomada pela Escola Médico-Cirúrgica do Porto |
Aurélia de Moraes Sarmento, segunda filha de Anselmo Evaristo de Moraes Sarmento, negociante e natural de Aveiro, e de D. Rita de Cássia Oliveira Moraes, natural do Porto, moradores na Rua do Almada, Porto, nasceu na madrugada de 4 de junho de 1869 na casa habitada pela sua família, tendo sido
batizada pelo Padre Nicolau José Ferreira a 17 do mês seguinte na Igreja Paroquial de Nossa Senhora da Vitória. Teve como padrinhos, por procuração, o Doutor António Augusto Soares de Sousa Cirne, bacharel em Direito, antigo juiz na Relação do Porto e ex-governador civil substituto da cidade e D. Guilhermina Carlota d'Almeida Moraes, sua avó paterna.
Aurélia passou a infância e a juventude no Porto. Para além de um irmão, teve três irmãs, próximas de idade entre si: Laurinda, Guilhermina e Rita, nascidas em 1867, 1870 e 1872, respetivamente. Enquanto a Mãe se encarregava da educação dos cinco filhos, o Pai exercia a atividade de negociante com a Tipografia "Imprensa Portuguesa" e a de jornalista, dirigindo os periódicos "Gazeta Literária do Porto" e "A Actualidade", assim como, mais tarde, a "A Ideia Nova – diário democrático".
A sua formação moral e ética foi fortemente influenciada pelo espírito liberal do Pai, descendente dos Moraes de Aveiro, acossados durante o reinado absolutista de D. Miguel. Esta influência familiar também terá contribuído para realçar a importância da educação como fator de promoção pessoal e social.
Para além dos ideais liberais defendidos pela família, Aurélia também recebeu a influência de pessoas que se relacionavam com o Pai por razões profissionais e de amizade. Entre estas contam-se figuras de prestígio como Oliveira Martins, Ramalho Ortigão, Camilo Castelo Branco, Antero de Quental e Teófilo Braga. A casa dos Moraes Sarmento era um espaço privilegiado para a proliferação dos ideais liberais e das ideias que então grassavam, enquanto no País se procurava construir uma cultura e uma mentalidade democráticas.
Não é alheio a esse ambiente familiar o facto, inédito na altura, de os cinco irmãos terem obtido diplomas no ensino superior. Tanto Aurélia como as irmãs diplomaram-se no Porto ainda antes da viragem do século XIX.
Com 16 anos de idade, Aurélia matriculou-se na Academia Politécnica do Porto, nas cadeiras que faziam parte do plano de estudos como sendo obrigatórias para o ingresso na Escola Médico-Cirúrgica do Porto. Durante o ano letivo de 1885-1886 frequentou e obteve a aprovação às disciplinas de Física Geral, Química Inorgânica Geral e Química Orgânica Geral e Biológica.
A 30 de setembro de 1886 pôde, assim, inscrever-se na Escola Médico-Cirúrgica do Porto, realizando em julho do ano seguinte os últimos exames preparatórios de Botânica e de Zoologia na Academia Politécnica. Aurélia frequentou o curso da Escola Médico-Cirúrgica do Porto na companhia de Laurinda, dois anos mais velha: assistiam juntas às aulas, apresentavam-se a exame sempre no mesmo dia.
No ano letivo de 1890-1891, as duas irmãs Moraes Sarmento concluíram o seu curso com êxito, tendo sido bem sucedidas nos exames de Clínica Médica, Clínica Cirúrgica, Higiene e Medicina Legal e de Obstetrícia ou Partos. Neste último exame ambas foram reconhecidas com a distinção de "aprovada com louvor".
Em 1891, Aurélia defendeu o "Ato Grande" na Escola do Porto, o que lhe granjeou o mérito de ter sido a primeira mulher a fazê-lo, apresentando uma dissertação sobre uma matéria de teor clínico. À defesa da Dissertação Inaugural, que recebeu o título de Hygiene da Primeira Infancia e foi publicada pela Imprensa Portuguesa durante o ano de 1891, presidiu o Dr. António d'Oliveira Monteiro. Foram arguentes Agostinho António do Souto, Cândido Augusto Correia de Pinho, António Plácido da Costa e Maximiano Lemos.
Em primeiro lugar dedicada aos pais e irmãos, a Dissertação é dedicada, a seguir, aos tios-avós, Venância Rosalina de Moraes Lucena e Jerónimo de Moraes Sarmento, "Últimos representantes da velha raça dos fortes; herdeiros do vivo sentimento liberal democratico, que levou seus irmãos ao martyrio civico da Praça Nova, e que a elles os arrastou por as prisões d'estado, por o desterro e por a deportação, como presa vil". Depois, é a vez do padrinho, Dr. António Augusto Soares de Sousa Cirne, dos parentes e amigas, do Dr. Teófilo Braga e mulher, D. Maria do Carmo Xavier Braga, e dos filhos de ambos, já falecidos e, por fim, do também já falecido Dr. António Vitorino da Mota.
O corpo docente da Escola Médico-Cirúrgica do Porto não ficou esquecido – Doutores João Pereira Dias Lebre, Agostinho António do Souto, Eduardo Pereira Pimenta, A. H. de Almeida Brandão, Ricardo d'Almeida Jorge e Roberto Belarmino do Rosário Frias –, assim como não o ficaram também os professores da Academia Politécnica do Porto - Aarão Ferreira de Lacerda, António Joaquim Ferreira da Silva, Conde de Campo Belo, José Diogo Arroio e Manuel Amândio Gonçalves – e os do Ensino Secundário, entre os quais se destacam figuras como Augusto Manuel Alves da Veiga, Flórido Teles de Menezes Vasconcelos e José Vitorino Ribeiro.
Na posse do seu diploma, Aurélia abriu um consultório médico privado com a sua irmã mais velha. Situava-se no n.º 579 da Rua do Almada e estava vocacionado para doenças de senhoras e crianças, com serviço de partos a qualquer hora.
Em 1894, já depois do casamento de Laurinda e de esta ter tido dois filhos, as irmãs submeteram-se a concurso público para provimento de um lugar de clínica auxiliar no Hospital Geral de Santo António. O resultado, porém, foi-lhes desfavorável, o que as levou a apresentar uma exposição na qual questionaram a escolha feita pela Santa Casa da Misericórdia do Porto. A opositora, e vencedora do concurso – Maria Paes Moreira -, tinha sido colega de ambas na Escola Médico-Cirúrgica do Porto. Porém, o pedido para a instauração de um processo judicial e a repetição das provas públicas acabou por se revelar infrutífero.
De acordo com as fontes consultadas, Aurélia constituiu a sua própria família já depois do falecimento do Pai, em 1900, casando com Júlio Gustavo Romanoff Salvini, célebre cantor lírico e professor de música radicado no Porto desde meados de Oitocentos e filho do polaco Gustavo Romanoff Salvini, que tinha ligações com a família imperial dos Romanov (Rússia). Do matrimónio resultou o nascimento de três filhos: Anselmo, Aurélia e Julieta. Esta última casou com o Dr. Manuel Melo de Adrião, conhecido em Aldoar como o "médico dos pobres".
(Universidade Digital / Gestão de Informação, 2011)