A beleza da arquitectura popular, ainda que muitas vezes associada ao lado negro da história e da cidade, à condição menorizada e secundarizada de uma grande parte da população, é um facto que se impõe com todas as suas contradições. Nos sulcos profundos com que marcou a cidade e o território podemos ler um fim, mas também um possível princípio. Percorrê-los atentamente permite-nos imaginar, ainda que como um projecto a longo prazo, uma cidade melhor. […] Razão e imaginação, sítio e programa, geografia e arquitectura, constituem […] os problemas centrais deste texto. […] O discurso que desenvolveremos […] tem como destino final com o qual se confronta, na hipotética validação da sua fundamentação, toda a arquitectura. […] As obras estudadas na segunda parte conformam um grande projecto, anónimo e banal, que percorre a cidade por inteiro, do núcleo central à periferia e ao campo. Permitem-nos entrever, ou imaginar, uma cidade na qual os espaços públicos têm a adequação e disponibilidade para o convívio e o recolhimento do mercado de Vila da Feira; na qual a habitação é digna, social e civil como na Bouça ou na antiga horta da Casa do Ribeirinho, abrindo os interstícios da cidade, revelando-lhe a topografia e a história; uma cidade cuja periferia está pontuada por construções que a unem ao campo através de múltiplas sobreposições e correspondências, como nos conjuntos habitacionais de Matosinhos e da Senhora da Hora, nos arredores do Porto, ou na herdade da Mitra, perto de Évora.Entrada livre, meditante a lotação da sala.
— Carlos Machado