“A que sabia a sopa que comemos?” – pergunta Ana Luísa Amaral num poema repleto de memórias. Ao longo das últimas semanas, houve uma divisão das nossas casas que se tornou maior e nela fomos criando o sentido que para nós teve a experiência de estarmos confinados.

Fizemos da cozinha o laboratório da casa. Nela, descobrimos o nosso corpo e o efeito que nele tem o que comemos – e lá fomos ajustando as doses, penitenciando-nos pelos ocasionais excessos.
Na cozinha, inventámos meios de fuga. Telefonámos a familiares e a amigos, pedimos receitas, procurámos os seus abraços em sopas, saladas e doces.
Na nossa cozinha, encontrámos o Outro: no sushi que preparámos, no caril que velámos, nas fatias finas de maçãs que cortámos para o strudel.
Dizem os arquitetos que a configuração das nossas casas terá de ser repensada em função do regime de trabalho remoto que muitas empresas passarão a adotar – mas também o lugar da cozinha, como espaço de encontros e descobertas, terá de ser reconsiderado.

“A felicidade é uma casa pequena com uma cozinha grande” – terá dito Alfred Hitchcock, que justificava a sua famosa silhueta com o amor que votava à comida. O mais provável é que, dentro de muitos anos, a sopa que, sozinhos ou em família, soubemos (ou não) preparar se nos ofereça como a metáfora mais verdadeira do nosso confinamento.

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