Resumo (PT):
Durante a sua estada no país dos cavalos racionais, o protagonista de As Viagens de Gulliver encara com repugnância uma raça de seres bestiais, violentos, cúpidos e lascivos, que a custo reconhece como seres humanos. Segundo a lenda que corre entre os Houyhnhnms, essas criaturas abomináveis, os Yahoos, surgiram um dia sob a forma de um casal, quais Adão e Eva grotescos, multiplicando-se até constituírem uma verdadeira praga, que importa extinguir. Obra de larga ressonância
internacional, a narrativa de Jonathan Swift contém uma expressão extrema de um sentimento de misantropia que, derivado ou não da insanidade do herói, chama a atenção para o vínculo do imaginário utópico à ideia da perfectibilidade humana e levanta o problema da vida como condição que carece de ser merecida – afigurando-se, porventura, legítimo votar ao extermínio os corruptos ineducáveis. Mais, o relato swiftiano articula a problemática moral com a problemática ontológica: que grau ou tipo de sim-patia pode ou deve existir entre os seres humanos, numa perspetiva universal ou universalista, em correlação com a diversidade das conformações culturais ou civilizacionais, e que identidade humana se deteta por intermédio dessa mesma sim-patia? Ao longo dos séculos, o imaginário utópico ocidental tem equacionado esses problemas, dominantemente sob o ângulo de uma fraternidade a construir, muitas vezes associada ao advento de um apocalipse no horizonte da distopia e da ficção científica. O presente texto debruçar-se-á sobre um aspeto particular do tema, explorando algumas instanciações da consciência da fraternidade universal expressa não em ideações do futuro, mas em mitos das origens.
Abstract (EN):
During his stay in the country of rational horses, the protagonist of Gulliver’s Travels
faces with disgust a race of bestial, violent, domineering, and lustful beings, which he recognizes as human. According to the legend that runs among the Houyhnhnms, these abominable creatures, the Yahoos, appeared one day in the form of a couple, like a grotesque Adam and Eve, which multiplied until they were a real plague that had to be extinguished. A work of wide international resonance, Jonathan Swift’s narrative contains an extreme expression of a feeling of misanthropy that, whether or not derived from the hero’s insanity, draws attention to the link of the utopian imaginary to the idea of human perfectibility and raises the problem of life as a condition that needs to be deserved – it seems legitimate to condemn the corrupt and ineducable to extermination. Furthermore, the Swiftian account articulates the moral and the ontological dimensions: what
degree or type of affection can or should exist between human beings, in a universal or universalist perspective, in correlation with the diversity of cultural or civilizational conformations, and which human identity is identified through this same empathy? Over the centuries, the Western utopian imaginary has addressed these problems, predominantly from the perspective of a fraternity to be built, often associated with the advent of an apocalypse on the horizon of dystopia and science fiction. This text will focus on an aspect of the topic, exploring some instances of the consciousness of universal brotherhood expressed, not in ideas of the future, but in myths of origins.
Language:
Portuguese
Type (Professor's evaluation):
Scientific