Já se sabe que o consumo de sal em excesso pode provocar hipertensão arterial, um dos principais fatores de risco para doenças cardiovasculares e cerebrovasculares, como o acidente vascular cerebral (AVC). Uma equipa da Faculdade de Medicina da Universidade do Porto (FMUP)/RISE-Health demonstrou agora resultados sugerindo que o sal em excesso tem um efeito direto no cérebro, provocando danos significativos nos vasos sanguíneos.
Estudos realizados pela investigadora e neurologista Ana Monteiro, no âmbito do seu doutoramento na FMUP, provaram que as pessoas que comem mais sal têm disfunção dos pequenos vasos cerebrais, independentemente do seu controlo da tensão arterial, o que poderá relacionar-se com problemas cognitivos e aumentar a probabilidade de demência.
A equipa de investigadores avaliou pessoas com hipertensão arterial bem controlada (com valores dentro do normal sob medicação), mas que ainda não tinham sintomas. Além de terem hipertensão arterial, muitos dos doentes estudados tinham também diabetes.
Os doentes, recrutados num hospital da região do Porto, submeteram-se a uma série de exames, designadamente à avaliação da quantidade de sódio ingerida diariamente, da pressão arterial (durante 24 horas) e a provas que avaliam a saúde e funcionamento dos pequenos vasos cerebrais, mais suscetíveis ao dano causado pela tensão elevada. Foram ainda realizadas ressonâncias magnéticas para avaliar a presença de lesões cerebrais silenciosas e foi estudado o funcionamento cognitivo, incluindo a atenção, a velocidade de raciocínio e a memória.
Em média, verificou-se que os participantes neste estudo consumiam 12 gramas de sal diariamente, o que é mais do dobro do valor máximo recomendado pela Organização Mundial de Saúde (OMS), que são 5 gramas por dia. Os resultados indicam que os doentes que ingeriam mais sal apresentavam menor capacidade de aumentar o fluxo sanguíneo cerebral às zonas do cérebro mais ativas durante uma dada tarefa (neste caso, ao córtex occipital durante uma tarefa visual), indicando maior rigidez das artérias.
“Encontrámos uma associação entre a elevada ingestão de sal na dieta e a disfunção microvascular cerebral, nomeadamente no mecanismo fisiológico do acoplamento neurovascular, isto é, de articulação entre os neurónios e os vasos sanguíneos, que está prejudicado”, indicam os investigadores.
Assim, como explicam, “a maior ingestão de sal está associada a um pior acoplamento neurovascular durante a estimulação visual”. Por outras palavras, “o sal em excesso torna menos eficaz a comunicação entre neurónios e vasos sanguíneos no cérebro, durante fases de maior necessidade de suprimento vascular aos neurónios responsáveis pela resposta a um estímulo visual”.
Enquanto são realizados mais estudos sobre os efeitos do sal no cérebro, os investigadores preconizam o recurso a estes biomarcadores de risco precoces de disfunção microvascular em doentes de especial risco. Deste modo, a investigação com monitorização de biomarcadores por Doppler transcraniano pode contribuir para detetar alterações no cérebro mesmo antes de existirem sintomas de doença, podendo indicar a necessidade de exames de imagem, como a ressonância magnética, ou de tratamento mais rigoroso dos fatores de risco vasculares. Esta poderá ainda ser útil na investigação de resposta a novas intervenções. O objetivo será atuar mais cedo e prevenir as complicações, como o AVC e a demência.
Este estudo teve como autores vários investigadores da FMUP, do Hospital de Pedro Hispano e da Northwestern University Feinberg School of Medicine e faz parte de um trabalho de investigação mais vasto apresentado em maio, no doutoramento em Neurociências realizado por Ana Monteiro, com orientação de Elsa Azevedo (FMUP/RISE-Health/ULS São João).