Investigadores concluem que, afinal, as preguiças não produzem a hormona do sono
Estudo publicado no Journal of Molecular Evolution
Investigadores da
Faculdade de Ciências da Universidade do Porto (FCUP) e do
Centro Interdisciplinar de Investigação Marinha e Ambiental da Universidade do Porto (
CIIMAR-UP) concluíram que, afinal, as
preguiças não produzem a hormona do sono, apesar da “má-fama” provocada pelo seu nome.
Num estudo agora publicado no Journal of Molecular Evolution, recorreram ao poder do estudo dos genomas, nomeadamente das preguiças, para descobrir que órgãos são efetivamente funcionais ou vestigiais, tomando como caso de estudo a glândula pineal (responsável pela produção de melatonina, a hormona do sono). Na investigação, perceberam que a glândula nas preguiças era vestigial e não pineal como se pensava. Os órgãos vestigiais, como é o caso do apêndice no ser humano, sempre foram motivo de enorme discussão entre cientistas e motivam ainda hoje a curiosidade de todos. Para que servem? Como surgem? Porque existem? Serão (ainda) funcionais? Estas foram algumas das questões que motivaram os autores da investigação, entre eles
Raul Valente,
primeiro autor da investigação e que frequenta o
Doutoramento em Biologia na FCUP e os docentes do Departamento de Biologia,
Isabel Sousa-Pinto e L. Filipe C. Castro.
Entender de que forma um determinado órgão se modifica ao longo do tempo, e como pode até tornar-se uma estrutura vestigial, é uma questão fascinante na Ciência, que remonta ao trabalho de Charles Darwin no clássico “A Origem das Espécies”. Para responder a esta pergunta, o uso crescente de dados moleculares tem sido cada vez mais comum, dado que as alterações morfológicas profundas, como é o caso do aparecimento de um órgão vestigial, se refletem obrigatoriamente em “assinaturas” no ADN das espécies analisadas.
Um exemplo de um órgão na qual tem sido continuamente debatida a respetiva funcionalidade é a glândula pineal, estrutura presente em mamíferos dos quais se incluem os Xenarthra – grupo composto pelas preguiças, os tatus e os papa-formigas – e que é responsável pela síntese e sinalização da melatonina, hormona com um papel fundamental no sono e na manutenção dos ritmos circadianos.
Estudos anatómicos nas espécies do grupo Xenarthra têm apresentado observações contraditórias: enquanto que algumas destas espécies apresentam uma glândula pineal bem definida, noutras este órgão foi descrito como estando ausente. Esta discrepância nas observações não permite esclarecer se o órgão, mesmo que presente, é ou não funcional, fazendo surgir a necessidade de averiguar este assunto mais detalhadamente.
O poder da bioinformática
O estudo
“Functional or Vestigial? The Genomics of the Pineal Gland in Xenarthra”, em coautoria com investigadores do Centro de Ciências do Mar e do Ambiente (MARE, ARDITI) e do Observatório Oceânico da Madeira (OOM),
Filipe Alves e
Raquel Ruivo, permitiu a utilização de ferramentas bioinformáticas para aferir sobre a funcionalidade da glândula pineal neste grupo de espécies.
O estudo demonstra que, apesar deste órgão estar presente em alguns xenartros, os genes relacionados com a síntese e sinalização de melatonina, a principal função da glândula pineal, estão ausentes. A perda destes genes demonstra que o órgão não é funcional e, portanto, a glândula pineal neste grupo de espécies é um órgão vestigial.
De acordo com Raul Valente, “o uso de ferramentas bioinformáticas para o estudo de genes diretamente ligados à função de uma determinada estrutura constitui uma abordagem poderosa para se perceber se estamos perante um órgão funcional ou vestigial. Esta questão reveste-se de uma importância acrescida em espécies cujas observações anatómicas apresentam resultados contraditórios”. Esta é uma perspetiva que ainda tinha sido pouco explorada em estudos anteriores, contudo facilmente aplicada em casos onde há discordância relativamente ao estado funcional de um certo órgão.
Porque é que um órgão deixa de ser funcional?
A perda da funcionalidade da glândula pineal e suas implicações fisiológicas tinham sido anteriormente encontradas em baleias e golfinhos, cujo sono é
muito especial. Agora, neste trabalho, os investigadores encontraram um padrão de perda muito semelhante em
Xenarthras, mas que foi considerado uma
resposta adaptativa para ultrapassar as limitações ecológicas e comportamentais apresentadas por estes animais. Na verdade, as espécies deste grupo, como é o caso das preguiças, têm uma pobre capacidade de regular a temperatura corporal. Assim, ao apresentarem ritmos biológicos alternativos aos ritmos circadianos poderiam reduzir os seus custos energéticos quando confrontados com eventuais condições ambientais desfavoráveis.
“O mais curioso é que, ao expandirmos a análise para outros mamíferos, conseguimos perceber que a perda destes genes também foi observada em manatins e dugongos, pangolins e colugos e ainda em Cetáceos", afirma, por sua vez, Filipe Castro, autor sénior da investigação. "Assim, a perda de função da glândula pineal parece ser comum entre espécies com hábitos muito distintos. No entanto, todas estas linhagens de mamíferos são compostas por espécies constantemente confrontadas por desafios térmicos: seja por viverem em meio aquático ou por serem, à semelhança dos Xenarthra, animais homeotérmicos imperfeitos, ou seja, com dificuldades em ajustar a sua temperatura corporal”, acrescenta. Um exemplo notável de evolução paralela.
No futuro, o objetivo dos investigadores é perceber que outro tipo de adaptações ao nível molecular estes animais sofreram para permitir o surgimento de padrões de atividade invulgares.
Agora, sabendo que a perda de função da glândula pineal tem repercussões profundas na manutenção dos ritmos circadianos, a pergunta mais óbvia para o futuro é entender que outro tipo de adaptações ao nível molecular estes animais sofreram para permitir o surgimento de tais padrões de atividade invulgares.
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comunica@fc.up.pt Renata Silva. SICC. 01-09-2021
(com Notícias U.Porto)