Em 2025, o Instituto de Ciências Biomédicas Abel Salazar (ICBAS) celebra cinquenta anos de existência. Esta data simbólica convida à evocação de uma figura ímpar na história da instituição: o médico, professor e investigador Nuno Grande. A sua ação foi determinante não só na fundação do ICBAS, mas também na construção de uma nova forma de ensinar Medicina em Portugal, assente numa visão interdisciplinar, crítica e profundamente humanista.
Nos anos 1970, o ensino médico português era dominado por um modelo tradicional, centrado no hospital e avesso à inovação. Nuno Grande, com um grupo de pioneiros, ousou contrariar esta lógica. Defendia que a formação médica não podia limitar-se à técnica ou à clínica, devendo integrar também as ciências sociais, a biologia e a ética. Esta proposta encontrou resistência, mas a sua convicção, coragem e capacidade de mobilização foram decisivas para que o ICBAS se afirmasse como uma instituição com identidade própria e espírito transformador.
Entre os principais desafios que enfrentou estiveram a conquista de instalações, o reconhecimento oficial dos cursos e a luta pela autonomia dentro da Universidade do Porto. Graças à sua determinação, o ICBAS cresceu e consolidou-se como um centro de referência, não só na Medicina, mas também nas áreas da Medicina Veterinária e das Ciências do Ambiente.
O percurso de Nuno Grande, porém, não começou com o ICBAS. Depois de concluir a licenciatura em Medicina, em 1957, partiu para Angola, então colónia portuguesa, em busca de um novo projeto de vida. Em Luanda, contribuiu para a criação dos Estudos Gerais de Medicina e para a organização da Ordem dos Médicos local. O seu objetivo era claro: construir, com os angolanos, uma universidade que respondesse às realidades locais e preparasse o país para a autodeterminação. O seu compromisso com Angola foi tão profundo que, mesmo após a independência, continuou a colaborar com a Universidade Agostinho Neto.
Foi essa experiência africana, marcada pelo contacto com a biodiversidade e pelas desigualdades sociais e ambientais, que aprofundou a sua visão de uma Medicina comprometida com a vida e com a justiça social. Regressado a Portugal em 1974, num contexto de mudança política profunda, encontrou no ICBAS o terreno fértil para concretizar essa visão. Juntamente com figuras como Corino de Andrade, Neves Real e Ruy Luís Gomes, idealizou uma escola médica capaz de formar não apenas clínicos competentes, mas cidadãos conscientes, livres e críticos.
Inspirado pelos ensinamentos de Abel Salazar — “o médico que só sabe Medicina, nem Medicina sabe” —, Nuno Grande via a Medicina como uma prática profundamente ligada à sociedade. A criação do ICBAS foi, por isso, não apenas um projeto académico, mas também um ato político, em defesa de um ensino superior mais democrático, multidisciplinar e atento ao bem comum.
Em homenagem ao seu legado, a família de Nuno Grande criou, em parceria com o ICBAS e a Fundação BIAL, a Bolsa Nuno Grande. Esta bolsa destina-se a doutorandos que conjuguem investigação, prática clínica e docência, refletindo a exigência e a visão do seu patrono. Mais do que um apoio académico, trata-se de um estímulo à formação de médicos-pensadores, capazes de questionar, inovar e servir a sociedade.
A história do ICBAS é, em grande medida, a história da coragem e da visão de Nuno Grande. Ao celebrar meio século de existência, a instituição afirma-se como herdeira do seu espírito — livre, crítico e profundamente comprometido com a transformação do mundo através da ciência, da educação e da cidadania