Resumo: |
Uma função crucial do cérebro é a manutenção da homeostase hedónica face a um aumento repentino e persistente de eventos de elevada valência, sejam estes atrativos ou aversivos; o desequilíbrio desta homeostase leva a défices de recompensa, manifestados como comportamentos aditivos em busca de valência, ou como comportamentos depressivos insensíveis à valência (anedonia). Curiosamente, estes dois desequilíbrios aditivos ou depressivos não são os extremos de um espectro uma vez que os dois levam a desfechos semelhantes: indivíduos deprimidos têm alta prevalência de abuso de substâncias, enquanto os dependentes se tornam desinteressados por estímulos não-viciantes; e ambos têm comportamentos de medo aumentado [6]. No entanto, ainda não se compreende os mecanismos neuronais que levam à coexistência de depressão, dependência e aumento do medo.
A condição clínica mais comum onde existem alterações do processamento hedónico é a dor crónica; além disso,dependência e dor crónica compartilham a mesma tríade clássica de características de comportamento alterado:capacidade hedônica prejudicada, compulsão e elevado stress/medo. Na última década, o nosso grupo de investigação esteve na vanguarda de estudos pré-clínicos que demonstram a rutura das redes de conectividade funcional como marcador da dor crónica em modelos animais. Através de registos multielétrdo e de modulação optogenética, demonstrámos que a dor crónica reduz a conectividade funcional das redes prefrontais, que essa redução na conectividade funcional é paralela à diminuição observada no desempenho da memória de curto prazo,que essa interrupção é amplamente dependente da sinalização dopaminérgica, e que a modulação optogenética de neurónios pré-frontais é capaz de recuperar o desempenho normal da memória de trabalho [1-3,5]. Mais importante,demonstrámos o efeito contrário num modelo de ratinho transgénico com percepção reduzida da dor, apoiando assim a nossa hipótese original [4]. Adicionalmente, estudos de i  |
Resumo Uma função crucial do cérebro é a manutenção da homeostase hedónica face a um aumento repentino e persistente de eventos de elevada valência, sejam estes atrativos ou aversivos; o desequilíbrio desta homeostase leva a défices de recompensa, manifestados como comportamentos aditivos em busca de valência, ou como comportamentos depressivos insensíveis à valência (anedonia). Curiosamente, estes dois desequilíbrios aditivos ou depressivos não são os extremos de um espectro uma vez que os dois levam a desfechos semelhantes: indivíduos deprimidos têm alta prevalência de abuso de substâncias, enquanto os dependentes se tornam desinteressados por estímulos não-viciantes; e ambos têm comportamentos de medo aumentado [6]. No entanto, ainda não se compreende os mecanismos neuronais que levam à coexistência de depressão, dependência e aumento do medo.
A condição clínica mais comum onde existem alterações do processamento hedónico é a dor crónica; além disso,dependência e dor crónica compartilham a mesma tríade clássica de características de comportamento alterado:capacidade hedônica prejudicada, compulsão e elevado stress/medo. Na última década, o nosso grupo de investigação esteve na vanguarda de estudos pré-clínicos que demonstram a rutura das redes de conectividade funcional como marcador da dor crónica em modelos animais. Através de registos multielétrdo e de modulação optogenética, demonstrámos que a dor crónica reduz a conectividade funcional das redes prefrontais, que essa redução na conectividade funcional é paralela à diminuição observada no desempenho da memória de curto prazo,que essa interrupção é amplamente dependente da sinalização dopaminérgica, e que a modulação optogenética de neurónios pré-frontais é capaz de recuperar o desempenho normal da memória de trabalho [1-3,5]. Mais importante,demonstrámos o efeito contrário num modelo de ratinho transgénico com percepção reduzida da dor, apoiando assim a nossa hipótese original [4]. Adicionalmente, estudos de imagiologia em pacientes humanos demonstram quea súbita alteração na conectividade funcional geral é o melhor correlato neural para a gravidade da dor crónica, com poder preditivo suficiente para individualmente estabelecer a probabilidade de cronificação da dor [7].
Nos últimos anos, tornou-se cada vez mais claro que todas as áreas do cérebro envolvidas no processamento de valência respondem tanto a eventos agradáveis como aversivos, anulando a ideia de separação funcional: a área ventrotegmental do mesencéfalo, núcleo accumbens, córtex pré-frontal, cingulado anterior, ínsula, amígdala, entre outros, processam simultaneamente eventos de valor antagónico e/ou saliência [8].
Por esse motivo, muitas questões importantes permanecem e ainda desconhecemos de que forma a estimulação aversiva leva a comportamentos viciantes e quais são os mecanismos neurais por trás dessa malplasticidade: as vias neurais de processamento dinâmico de recompensa/aversão são afetadas durante a perda da homeostase hedónicacomo, por exemplo, durante condições de dor crónica? Essas mudanças na conectividade cerebral são mais prevalentes em áreas do cérebro relacionadas à emoção ou são um reflexo de uma diminuição na conectividade funcional geral de todo o cérebro? As mudanças repentinas nos episódios recompensadores/aversivos são codificados como atividade particularmente relacionada à valência, ou as mudanças no equilíbrio hedónico são codificadas como novos limiares de valência? E de que forma as condições aversivas afetam a transição dos hábitos para o vício ou da busca compulsiva para o uso compulsivo? |