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Maio/agosto 2006

A FEP no meu tempo


Odete Patrício Odete Patrício (1955, Paredes)

1 filho

Ano de entrada: 1972

Primeiro emprego: Bial

Directora Geral da Fundação de Serralves



Quem é a Odete Patrício?

Nasci em Paredes. Estudei no Liceu de Penafiel, pois na altura não havia liceu em Paredes. Sou filha única, tinha as atenções todas concentradas em mim, todas as expectativas, até porque nasci rapariga e o meu pai queria um rapaz. A minha educação foi marcada por esse desejo paterno. O meu pai sempre projetou em mim muitas ambições e nesse aspeto foi muito bom porque me obrigou a ser muito exigente comigo própria, o que eu sou, de facto.
A minha paixão era psicologia, mas o meu pai considerava que Economia representava as melhores saídas profissionais. Portanto podia ser qualquer coisa desde que fosse Economia. Sou Economista não por vocação mas por imposição.

Depois veio para o Porto?

Vim para o Porto e os meus pais vieram também. Eu entrei para a Faculdade em 72. Tinha os meus 17 anos. Eu costumo dizer que o início foi muito duro porque eu era muito nova, vim para uma Faculdade onde não conhecia ninguém porque vinha da província. Os alunos do Porto já tinham os seus colegas ou do “Rainha!” ou do “Carolina”, ou do “D. Manuel”, mas eu aterrei tipo “alien” numa Faculdade onde não conhecia praticamente ninguém, completamente desintegrada, com um ambiente a que eu não estava habituada. O liceu de Penafiel para a época era um liceu de vanguarda porque era misto e tinha até um ambiente bastante informal, com uma grande liberdade de movimentos dos alunos. Dávamo-nos todos muito bem, brincávamos muito e, de repente, cair ali nas águas furtadas da Praça dos Leões, com aqueles professores que, na generalidade, eram muito mais velhos do que nós, foi uma experiência pouco agradável.
Havia muito poucos Assistentes. Nessa época, que me lembre, havia o Daniel Bessa que era Assistente e era mais jovem, relativamente mais próximo de nós em idade, e depois estava lá o Seabra, o Pinto Ramos, o Pedroso, o Baganha… Portanto toda aquela geração dos velhos professores da Faculdade com um estilo muito catedrático, muito autoritário, muito distante de nós e lembro-me que tive, de facto, um choque enorme porque não estava habituada. Apesar de tudo, vinha habituada a um sistema de muito maior proximidade e, para além do ensino de Faculdade ser muito diferente do liceu, apanhei com aquelas pessoas todas, com outros estilos e doutras gerações…
No início, senti-me realmente muito perdida, o que me valeu foi antes de entrar na Faculdade ter começado a namorar com um rapaz de engenharia e realmente o namorado foi fundamental para aguentar aqueles impactos todos porque senão ter-me-ia sentido muito mal.
Felizmente já namorava, andava muito ali pelo Café Universidade, pelo “Piolho”, estudava muito ali, na altura estudávamos muito nos cafés, eram o nosso local de estudo.
Politicamente já era uma pessoa com bastante consciência. Lembro-me que ainda andei a correr com a polícia atrás de nós e nós a fugirmos, e das assembleias gerais que fazíamos nos “Leões” e que eram clandestinas, obviamente. Portanto, apanhei uma época em que tudo foi surpresa, muita diferença.
Em conclusão, a integração na Faculdade foi difícil.

Entretanto veio o 25 de Abril...
Tinha 18 anos… e apanhei o 25 de Abril numa idade fantástica. Não tínhamos nada a perder, tínhamos tudo a ganhar e eu de facto na altura era uma pessoa com ideias muito à esquerda e vivi o 25 de Abril de uma forma muito intensa e muito entusiasmada.
Antes do 25 de Abril foi o choque que referi, com um sistema rígido e autoritário. Fiz as disciplinas sem grande entusiasmo, eram dadas de forma muito apressada e não sentíamos que tivessem muito aderência à realidade. Eu também não tinha grandes expectativas porque não escolhi Economia por vocação.
De qualquer forma sentia-me algo estranha. É óbvio que com a educação que tinha tido não estava habituada a contestar. Era a menina bem comportada e fazia o que tinha que fazer e não questionava. Depois apanho o período do 25 de Abril. Estava-me a preparar para fazer os exames do 2º ano. Foi um período muito interessante sob o ponto de vista pessoal. Vivi tudo com muita intensidade. Andei na rua. Vivia ao pé da antiga PIDE. Da janela da minha casa via os chaimites a passar. Foi uma experiência muito engraçada.
Esses anos, principalmente o ano de 74/75, foram anos academicamente muito turbulentos, em que se fizeram os saneamentos de quase todos os professores. Daqueles que mais me recordo, penso que ficou só o Cadilhe. O Pedroso, o Seabra, o Baganha, os que eu conhecia melhor… todos eles saíram.
Depois aquele ano de 74/75 coincidiu com a nossa mudança de instalações. Em Março houve o incêndio nas águas furtadas da Faculdade de Ciências, onde estava a nossa Faculdade. Andámos a ter as aulas dispersas por outras faculdades. Entretanto vem o 25 de Abril e a Faculdade nova estava pronta.
No início do meu 3º ano fomos inaugurar o novo edifício, em Paranhos. Com o 25 de Abril, nenhuma faculdade da UP fez exames. Foi tudo “corrido” a passagens administrativas. Nesse ano não fizemos exame a nenhuma cadeira. Foi um ano de borla, em que não fomos sujeitos à avaliação. Foi um período muito turbulento, em que os próprios alunos, com alguns Assistentes, elaboraram vários planos de curso alternativos. Daí resultou que o curso, a partir de Outubro de 74, se tenha alterado completamente. Passou a ter uma enorme componente de cadeiras de cariz político, teoria económica marxista. Lembro-me que no meu 3º ano de curso, não fiz uma única cadeira técnica! Apesar do meu entusiasmo pela política, nunca perdi de vista - sou muito pragmática - que daí a 3 anos tinha que ter um modo de vida e não era com a teoria marxista ou economia marxista que eu atingiria esse objectivo. Eu percebi que se saísse do curso apenas com essas cadeiras, pouco saberia fazer na prática. Eu tinha nitidamente vocação para trabalhar numa empresa, sempre gostei muito da área da microeconomia. Apesar dos meus 18, 19 anos, tive alguma lucidez, na escolha das cadeiras e fui mais para as técnicas. Porquê? Vou explicar um pouco o processo. Durante todos aqueles meses de Verão de 74 realizaram-se reuniões incessantes para se fazer o novo plano de curso, com os Assistentes que restaram dos saneamentos e alunos. O curso passou a ter um núcleo de cadeiras obrigatórias mínimo – 2 ou 3 cadeiras por ano – e as restantes eram optativas. Era um curso à la carte. Éramos trezentos e tal alunos, cada qual escolheu o que lhe apeteceu. Escolhi sempre as contabilidades todas e as cadeiras mais ligadas à gestão. Mas houve muita gente que se formou na mesma altura que eu e não fez uma contabilidade, nem a geral nem a analítica. Porque era possível. O plano de curso era tão aberto que nos era possível fazer isso. No 5º ano só tínhamos uma cadeira obrigatória, que era “Planeamento”. O resto era à nossa escolha. E nos outros anos já não me lembro das obrigatórias. Lembro-me que “Estatística” era, mas pouco mais. Havia um tronco comum de cadeiras obrigatórias, que aliás diminuíam entre o 3º e o 5º ano e depois era tudo optativas. De forma que houve pessoas que têm o título de Economista e que não sabem contabilidade ou gestão ou que entretanto aprenderam… Esses 3 anos foram muito interessantes. Vivia-se um clima de grande paixão política. A Faculdade era muito de esquerda, aliás como eram todas as faculdades da altura, mas a nossa e a de Engenharia eram as duas da UP francamente de esquerda, a oposição eram entre os grupos de extrema esquerda e a UEC. Foram tempos muito engraçados. E colegas conhecidos? Muitos. Os mais conhecidos. A Elisa (Ferreira) é do meu curso, o actual Ministro das Finanças era Assistente na nossa altura, o actual Presidente da Faculdade, o José Costa, e muitos outros que seria deselegante estar a elencar porque deixaria outros de fora… Eu tinha um grupinho. Era bastante sociável, embora tivesse tido alguma dificuldade de integração. Aliás esse grupo era praticamente constituído por raparigas e ainda hoje mantenho essas amizades, ainda hoje vamos jantar juntas, mas nenhuma delas é mediática. O que gostou mais no seu curso? O ser muito polivalente. Poderíamos optar por várias soluções diferentes. Por exemplo, a Elisa desde o início optou pelas cadeiras de macroeconomia e eu liguei-me mais à gestão. A possibilidade de escolha que tínhamos na época permitia-nos escolher o curso que queríamos tirar desde o início. Esse aspecto permitia ao economista, quando saía da faculdade, uma grande variedade de opções profissionais. Foi disto que eu mais gostei. Também achei piada a termos estreado uma faculdade, um edifício novo, com um ambiente muito bom entre colegas, desde que houvesse homogeneidade de tendências políticas. Vivia-se muito na Faculdade à volta de núcleos com tendências políticas similares. Agora penso que a política nada conta… Fiz boas amizades. Muito boas relações humanas. Não havia competição entre colegas. Era um clima de entreajuda. Divertíamo-nos mesmo dentro da Faculdade havia um ambiente muito bom. O que gostou menos no seu curso? O que não gostei foi o facto de termos matérias muito pesadas que seriam muito úteis, por exemplo, para os macroeconomistas, mas que para os alunos vocacionados para trabalhar numa empresa não tinham qualquer utilidade. Péssimo era a falta de apoio pedagógico, ou seja, nessa altura dava-se muito pouco material de apoio. Algumas cadeiras eram feitas apenas com os apontamentos das aulas. Era inadmissível. Mais tarde, já na minha vida profissional, é que me fui habituando a procurar obras de referência. Acho que a relação entre alunos e professores pecava por uma distância enorme… nós tínhamos medo de abrir a boca nas aulas. Sobretudo as raparigas. Era uma sociedade muito fechada. Nos exames muitas vezes os Prof’s perguntavam às raparigas o que estavam ali a fazer e porque não estavam em casa a coser meias! Depois do 25 de Abril, foram tempos muito turbulentos. Detestei o sistema de classificações por a, b e c. Pelo menos num dos anos, eu que era boa aluna e tinha a mania das notas, passei para bem disciplinas em que tinha tido 16 e 17 valores. Fiquei furiosa. Não havia vida académica, nem actividades extracurriculares, não havia apoio praticamente nenhum: só passou a haver cantina no último ano do meu curso. Não havia incentivo à investigação, era um ensino totalmente medieval. Os alunos limitavam-se a ir às aulas, ouviam os professores, tomavam imensas notas. Passávamos uma aula inteira a escrever. Mas, apesar de tudo, eu aprendi o que precisava de aprender e a qualidade do ensino nas aulas foi sempre muito boa.

Da sua experiência que conselhos para os recém-licenciados?


Cada qual tem que definir o seu caminho. Considero fundamental ter uma ideia para onde se quer ir em termos de carreira: mercado de capitais, gestão, marketing… É essencial ter uma tendência definida e segui-la. Algo com que não concordo é sair da faculdade e fazer imediatamente um mestrado ou pós-graduação. A não ser que queira fazer carreira académica, continuar a estudar… mas se tem por opção trabalhar, tem que ingressar no mercado de trabalho, aprender na prática e depois sim, voltar a estudar. Quando comecei a trabalhar senti que sabia muito pouco. Era tudo muito novo, muito estranho.
Quando comecei a trabalhar fui para os Laboratórios Bial, cujo Presidente tinha acabado também de entrar, muito novo.
Lembro-me da primeira vez que olhei para as contas, a perplexidade imensa que tive ao ver um balancete, apesar de ter feito as contabilidades todas, apesar de ser uma área de que eu gostava imenso.
Foi um impacto muito grande, principalmente por estar sozinha, não ter colegas mais velhos, mais experientes que me ajudassem. Tive que errar e aprender à minha custa. Quando fui para o BPA foi completamente diferente, tinha colegas mais velhos e aí aprendi imenso. Aos meus jovens colegas o que posso dizer… Muita focalização no objectivo que se pretende atingir. Experiência profissional antes de continuar a formação, depois de estar no terreno e de se saber para onde se quer ir. Começar a trabalhar inserido numa equipa, para aprender mais depressa e com menos erros. Uma das coisas boas do nosso curso é a diversidade de saídas profissionais e funções que se podem desempenhar.

Entrevistada por Pedro Quelhas Brito


“A possibilidade de escolha que tínhamos na época permitia-nos escolher o curso que queríamos tirar desde o início. Esse aspecto permitia ao economista, quando saía da faculdade, uma grande variedade de opções profissionais. Foi disto que eu mais gostei.”
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