 |
Luís Filipe Cardoso da Silva
Administrador da Mota-Engil SGPS S.A. |
Pragmático e incisivo, Luís Filipe Cardoso da Silva revela nesta entrevista à Notícias FEP que, do seu ponto de vista, Portugal cometeu uma falha fundamental que consistiu em centrar-se no curto prazo. O Administrador da Mota-Engil vai mais longe ao atribuir grande parte desta responsabilidade aos economistas, a quem, pela sua formação, cabe fomentar essa visão estratégica e de médio/longo prazo, ainda que não hesite em reafirmar a sua paixão pela economia, em toda a sua vertente de ciência social, que considera fundamental para qualquer gestor. O contributo que a FEP teve na sua carreira profissional, as características que um empresário procura atualmente nos recém-licenciados e abertura do ensino superior à sociedade civil são outros dos temas aqui abordados.
Existe hoje uma opinião consensualizada que diz que Portugal não fez as reformas estruturais necessárias ao longos últimos anos. Concorda?
A discussão sobre as reformas estruturais, sejam sobre que área ou setor de atividade for, tem sido feita essencialmente à volta dos seus impactos no curto prazo e como tal é muitas vezes desfocada do verdadeiro objetivo que as mesmas pretendem atingir.
Não sei portanto se posso ou não concordar com a afirmação.
Não tenho dúvida que foram concretizadas importantes reformas que mudaram visivelmente o nosso país quando comparado com Portugal de há 20 ou 30 anos atrás.
Por outro lado, olhando para a performance da economia portuguesa na última década, podemos questionar se o país tomou as necessárias decisões estratégicas, se refletiu individualmente, sem influência dos nossos parceiros, europeus e não só, sobre quais os verdadeiros passos para o seu desenvolvimento.
Ora no que à dimensão estrutural ou estratégica diz respeito, a falha fundamental de Portugal terá sido a de nos centrarmos no curto prazo. Por outro lado, também teremos errado ao caracterizar mal, ou considerar pouco, a nossa indústria, os nossos serviços, a nossa formação, a nossa posição geográfica, a nossa dimensão, os nossos costumes, as nossas vantagens e as nossas fraquezas, numa palavra a nossa “cultura”. Por fim, teremos dado demasiado relevo ao exemplo de alguns países com quem nos relacionamos (copiando modelos que não se nos aplicam), ignorando outros para quem o nosso papel poderia ser bem mais relevante.
Por tudo isto, dizia, talvez os economistas sejam os principais responsáveis, pois deveriam pela sua formação fomentar essa visão estratégica e de médio e longo prazo.
Também acha que investimos demais em auto-estradas, e menos em setores estratégicos para o nosso desenvolvimento?
O investimento em infraestruturas é, a meu ver, estratégico e, nas vias de comunicação, foi feito no passado o esforço correto em termos de reflexão das necessidades para um país que se quer mais equilibrado e mais homogéneo.
O Plano Rodoviário Nacional é fruto dessa reflexão e aquilo que penso se deve sempre discutir é o ritmo da sua conclusão. Já noutras áreas, as falhas que sublinhei acima (horizonte de médio e longo prazo, caracterização do país e suas necessidades e relação com o mundo) são bem patentes pelas intermináveis discussões sobre as infraestruturas ferroviárias, aeroportuárias e portuárias.
Mas também pela forma intermitente e descoordenada como ao longo dos anos se investiu no património edificado, como sejam os tribunais, as instalações desportivas, os hospitais, as escolas, etc.
Se olharmos à nossa volta, poderemos encontrar diferentes modelos de desenvolvimento, mas dificilmente encontramos países com crescimento sustentável que não tenham as suas infraestruturas desenvolvidas de forma a assegurar o equilíbrio interno, mas mais importante a potenciar esse crescimento.
Ou seja, as infraestruturas são uma base estratégica do desenvolvimento. Será que, por exemplo, a Holanda poderia ter o mesmo papel no comércio mundial se tivesse apenas pequenos portos marítimos para servir as suas necessidades?
Tirou o curso na FEP. Sente que essa preparação foi fundamental para a sua vida profissional?
Claro que sim. O curso na FEP preparou-me para uma vida profissional em que cada vez mais o rigor é fundamental. Aprender, ouvir, conviver, com tantos Professores que se têm destacado na sociedade portuguesa preparou-me para ser economista e ser gestor. Tenho “andado” mais pela gestão, mas continuo a ter uma grande paixão pela economia em toda a sua vertente de ciência social que considero fundamental para qualquer gestor.
Como vê a mudança que a FEP tem vindo a promover com a internacionalização dos seus cursos e com a aproximação ao mundo empresarial?
Parece-me que a FEP, como todas as faculdades, deverá procurar acelerar esse caminho. No entanto, a internacionalização dos cursos, tal como a própria aproximação ao mundo empresarial deverá ter sempre em conta que a FEP é, antes de mais, uma faculdade portuguesa, localizada no norte do país. Quero com isto dizer que é fundamental que ambos os processos sejam feitos com a preocupação na formação de quadros que se destinem às nossas empresas, às nossas instituições, ao nosso país. Copiar, seguir exemplos de outros países, pode ser sempre um bom caminho, um caminho menos complexo, mas não é por certo o melhor caminho, aquele que otimiza o resultado para todos, faculdade, empresas, instituições, país.
Essa mudança deve portanto procurar ser feita tendo em conta as características dos estudantes, das empresas, dos empresários portugueses.
O que procura atualmente um empresário quando recruta um profissional?
Respondendo enquanto gestor e não enquanto empresário, diria que há várias características que procuro nos recrutamentos que efetuo.
Obviamente que o nível de formação teórica e a adequação técnica ao cargo a desempenhar são fundamentais, mas a capacidade de adaptação à mudança (tendo em conta o ritmo atual da inovação nos negócios), bem como a visão de futuro e capacidade de planeamento serão talvez as que mais destaco. Não posso por fim deixar de referir a sinceridade como uma qualidade humana que muito prezo.
A abertura do ensino superior à sociedade civil é essencial para assegurar a competitividade?
Com toda a certeza que sim. Não faz sentido que as duas realidades, ensino superior e sociedade civil, estejam afastadas, pois é através de uma ligação cada vez mais forte que as nossas empresas se irão desenvolver, através de aumentos significativos de competitividade, e que as nossas universidades irão compreender melhor as necessidades específicas dessas empresas. Ou seja, o grande desafio é não só a abertura das universidades às empresas e à sociedade civil, mas também, em sentido oposto, a abertura destas às universidades.
Como é que a Mota-Engil se relaciona com a Universidade do Porto? E com a FEP?
O Grupo Mota-Engil tem uma relação privilegiada com a FEP desde há muitos anos.
Eu próprio recrutei ao longo dos últimos 20 anos inúmeros licenciados nesta faculdade, muitos dos quais são hoje quadros do Grupo em Portugal e no exterior. É justo afirmar que alguns dos nossos melhores quadros são oriundos da FEP. Ao mesmo tempo é prática no Grupo recrutar jovens licenciados, apoiando a FEP a encontrar colocação para muitos dos colegas que terminam a sua licenciatura.
Por outro lado, ao nível da Formação de Executivos, o Grupo está representado no Conselho Geral da EGP em parceria com a UP e a própria FEP.
Que conselho gostaria de deixar aos estudantes da FEP?
A todos, aos que têm já no início ou ao longo do curso uma preferência em termos da sua vida profissional futura, mas também aos que não a têm, aconselharia principalmente a que absorvam todo o conhecimento possível ao longo do curso. O mundo muda hoje a um ritmo vertiginoso e a necessidade de nos adaptarmos é permanente. Para tal é fundamental termos todos um pouco de generalistas antes de sermos especialistas. E os cursos na FEP podem ser, desse ponto de vista, uma grande mais-valia no difícil mundo do trabalho.
Sobre a Mota-Engil
Apesar da crise financeira que está a afetar as empresas portuguesas e não só, a Mota-Engil continua com uma posição sólida. Qual é o segredo?
Uma reflexão estratégica permanente que tem permitido preparar as centenas de empresas do Grupo para os diversos ciclos que se vão vivendo nos diversos países onde operam. Esta reflexão, que apresentámos ao mercado antes da crise através de documento que designámos “Ambição 2013”, continha dois pilares fundamentais para o desenvolvimento sustentável do Grupo: a internacionalização e a diversificação. A Mota-Engil é hoje mais do que uma empresa portuguesa e essa característica foi considerada fundamental mesmo sem termos antecipado a crise que hoje se vive em Portugal. A ambição da empresa é maior do que Portugal.
Como é que a Mota-Engil preparou o momento presente e como se está a preparar para o futuro?
Tal como referido, através de uma estratégia de balanceamento de riscos que tem duas vertentes fundamentais: internacionalização e diversificação.
E para fortalecer esses dois pilares reforçamos o desenvolvimento e rentenção do conhecimento e do capital humano. Hoje, para preparar o futuro, e fruto das condições que vivemos na economia mundial, damos ainda maior relevo à vertente financeira, tendo ao mesmo tempo alterado o modelo de governo e de organização do Grupo com reforço do papel de cada região onde operamos: Portugal, Europa Central, África e América Latina.
As empresas portuguesas estão a ser grandemente afetadas pela chamada “austeridade”. Cada vez há menos poder de compra – isto significa que ainda podemos assistir a muitas falências até ao final do ano? Estima-se que mais de 6 mil podem fechar…
Sem dúvida que muitas empresas vão fechar, mas devemos acreditar que será possível injetar liquidez na economia, induzindo a geração da “confiança” aspeto fundamental para que os nossos empresários potenciem a inflexão do ciclo económico. Mais uma vez não podemos pensar apenas no curto prazo.
“É justo afirmar que alguns dos nossos melhores quadros são oriundos da FEP”
Perfil
Natural do Porto, Luís Filipe Cardoso da Silva, licenciou-se em Economia pela FEP em 1989.Tendo iniciado o seu percurso professional (1989) na empresa Plásticos e Perfis Decorativos DURSIL, Luís Silva colaborou com várias empresas de renome nacional e internacional: Diretor do Controlo de Gestão de Grupos na Sonae Investimentos (1990-1992), na Mota & Companhia até o ano (1990-2000), na Mota-Engil (2000-2003) e na MESP - Mota-Engil (2003-2006). Ainda em 2006, tornou-se Presidente do Conselho Fiscal da Operadora Lusoscut, cargo que ocupou durante quatro anos, e Membro do Conselho de Administração da MESP - Mota-Engil. Funções que acumulou com a Coordenação de,diversos estágios e a formação no Grupo Mota Engil. Membro do Conselho de Administração da Mota-Engil Brand Management (2009) e da MESP – Central Europe (2010-2011) foram os passos seguintes. Em 2010, passa ainda a ser Vogal do Conselho Geral e de Supervisão da Vortal e Membro do Conselho de Administração da Vallis e da Martifer.Do seu percurso há ainda a registar várias ações de formação nas áreas de Controlo de Gestão, Sistemas de Informação, Gestão Estratégica, Fiscalidade Internacional e Normas Internacionais de Contabilidade, o 1º Prémio dos European Counsel Awards 2011 na categoria “Corporate Tax” e a participação nos International Counsel Awards 2011 na categoria “Corporate Tax”, na qual chegou à final.