Maio/agosto 2005
A FEP no meu tempo
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José Roquette (1936, Lisboa)
6 filhos, 16 netos
Ano de entrada: 1953
Primeiro emprego: Banco Espírito Santo e Comercial de Lisboa
Empresário
Margarida e José Roquette, nas antigas instalações da FEP |
Quem é o José Roquette?
Nesta altura alguém que teve um percurso de vida que deve bastante à Faculdade de Economia. Fiz os 11 primeiros anos antes de chegar à Faculdade no Colégio Brotero, na Foz do Douro. Sou o único de onze irmãos que nasceu em Lisboa. Os meus pais vieram a Lisboa passar o Verão, como habitualmente, com a família do meu Pai, que é toda de Lisboa, embora profissionalmente ele estivesse ligado ao Porto. A admissão à Faculdade ocorreu aos 16 anos de idade mas como as aulas só arrancaram em Novembro eu já tinha 17 anos, num curso cuja média etária era superior a 30 anos visto que muitos licenciados pelo Instituto Comercial aguardavam a abertura da Faculdade, tendo já as suas vidas profissionais. Eu era o “benjamim” do curso e sendo o regime da Faculdade idêntico ao das Faculdades de Direito não foram nada fáceis os primeiros anos do curso.
Como é que era a FEP.UP nessa altura?
Uma faculdade que se estava a instalar tinha problemas vários a começar pelas próprias instalações físicas no último andar da Faculdade de Ciências. Tudo o que era formação pelo lado das matemáticas era feito na Faculdade de Ciências o que provocava alguma turbulência. Em todo o caso, o leque de Professores que foi possível juntar constituiu um dos activos mais importantes. Devido às disponibilidades financeiras, mas também pelas relações pessoais, foi possível conseguir que alguns grandes nomes da economia europeia daquele tempo lecionassem na Faculdade de Economia, por exemplo, Raymond Barre e Jacques Rueff, o que deu um contacto fora do normal em relação a outras Faculdades em Portugal. O primeiro ano foi de altíssima selecção. De mais de 200 alunos passaram pouco mais de 30 para o segundo ano. Éramos poucos. Mais de metade dos colegas eram profissionais em contacto com a vida activa. Eu lembro-me da dificuldade que tive quando cheguei ao 30 ano sem nunca ter ouvido falar em débito e crédito, pois vinha da formação liceal. Mas tive a sorte do apoio de um grande homem e um grande professor que foi José António Sarmento que infelizmente faleceu em 1960 e de quem o Manuel Baganha foi continuador. Isso fez com que tivesse começado a minha actividade profissional pela contabilidade sem nenhum problema e chegar à direcção da contabilidade do Banco Espírito Santo. Depois daí é que passei para a direcção comercial, até que, em 11 de Março de 1975, na altura das nacionalizações, era responsável executivo pelo Banco no País. Com 24 anos chefiava a contabilidade, que naquela altura era todo o “back-office” e controlo da Instituição. Quando passei para o sector comercial do banco perguntei a mim mesmo quando é que descobri a vocação para assumir o risco como realização profissional em termos de empresário.
Quando é que começou a vida de empresário?
Em 1961, quando fiz uma sociedade com um amigo – o Dr. João Flores que instalou em Portugal o Pão-de-Açucar. Fizemos uma sociedade por quotas para vender em Lisboa equipamento que o meu pai fabricava no Porto. Foi a minha primeira experiência. Depois no Grupo Espírito Santo aprendi o exercício e o sentido de risco da decisão, pois quando se vai subindo, as responsabilidades são maiores...
Nestes 50 anos após a sua entrada na Faculdade de Economia e quando olha para trás o que o faz sorrir?
A partir do 2º ano passámos a ser poucos pelo que havia um sentido colectivo de realização que era extraordinariamente positivo e que marcou bastante os primeiros anos da minha vida profissional. Organizavam-se diferentes grupos alargados para desfazer dúvidas e havia muita disponibilidade dos professores apesar de alguns viverem em Coimbra. Foi o caso dos Prof. Seabra e Almeida Garrett. Isso criou um clima e sentido de esforço colectivo e de trabalho em equipa. O José António Sarmento era, nessa vertente, excepcional criando equipas de 4 e 5 com um projecto específico para cada grupo. Isso contribuiu muito para criar um ambiente de trabalho de grande qualidade.
Lembro-me também de coisas engraçadas. Éramos poucos alunos e tínhamos como Faculdade de nos apresentar em termos desportivos. Eu jogava tudo: futebol, andebol, pingpong, ténis,... (risos) pois formar equipas era difícil.
E alguma situação menos boa?
Foi com algum desgosto que vi mais tarde aparecerem cisões, e muitos se desentenderam e afastaram talvez por razões políticas.
Qual é a identidade da FEP? A sua especificidade? O que é único no período 53-58?
A participação das cadeiras de cada ano era marcada pela formação jurídica que tinha um peso forte. Entre essa formação e a componente contabilística havia aquele universo das estatísticas e econometrias. Uma das coisas que penso ficaram comigo toda a vida foi a capacidade dialéctica e o estilo de aproximação aos problemas que a formação jurídica dá, bem como o rigor da matemática para quem tem alguma vocação. A demonstração pela via retórica de formação jurídica, da lei da utilidade decrescente que a matemática faz com derivadas é disso um exemplo. A Economia era dada por pessoas que não tinham formação matemática como o Prof. Seabra e o Prof. Almeida Garrett o que ultrapassavam pela via do raciocínio jurídico. Mas isso deu-nos uma capacidade para analisar os problemas concretos bastante grandes embora, como acontecia em Portugal naquela época, a Faculdade tivesse dificuldade em transmitir conhecimento específico, concreto e objectivo. Quando saí de lá para o Banco Espírito Santo, que era ali na Av. dos Aliados, é que verdadeiramente começou a minha vida profissional.
O resto eram ferramentas que podia utilizar ou não consoante a minha capacidade.
Com a minha pré-disposição para as matemáticas eu usava uma régua de cálculo que só era usada pelos meus colegas de engenharia. Mas como as réguas de cálculo tinham uma escala exponencial, o que permitia o cálculo de juros compostos. Isso ajudou-me mais tarde, em termos informáticos, com o primeiro computador que se instalou em Portugal e foi no Banco Espírito Santo. Estávamos em 1963. Era o UNIVAC 1005, tinha apenas 32K de memória. Era uma coisa extraordinária, já lia fita perfurada e fazia o controlo com a perfuração dos cartões que era o input então usado. Controlava saldos, movimentos de contas, cálculo de juros e emissão de extratos através de uma impressora. A primeira folha de cálculo que apareceu (em 1962) era o Visicalc, comercializado pela Visicorp mais tarde comprada pela Lótus. Já nessa altura eu tinha feito um programa para a HP numa maquineta pequena que eles tinham HP41cv e que permitia carregar nuns cartões magnéticos um software a que chamei “cash-flow analysis” e que foi dos programas mais vendidos. Fiz vários outros programas para a HP.
Que conselhos é que dá às novas gerações de alunos da FEP?
A primeira coisa é que acreditem que a formação universitária é importante mas não é tudo. Produz ferramentas e uma indiscutível capacidade de enfrentar problemas tão complexos como os que hoje a vida nos apresenta. Não há escolas perfeitas. Eu e outros empresários em Portugal, gostaríamos de ver uma classe empresarial mais nova com capacidade de criar, de fazer coisas, aceitar desafios, e correr riscos. Eu gostaria que fossem mais frequentes as vocações empresariais de que o País precisa desesperadamente. O empresário distingue-se do gestor, porque normalmente arrisca o que é seu. A minha convicção é que Portugal, como País, como projecto, como cultura só terá futuro se a iniciativa privada assumir a responsabilidade por isso mesmo. O Estado é mau gestor, não é eficaz, tem um conjunto de tarefas inalienáveis como o que se refere à soberania, questões relativas a segurança pessoal e colectiva justiça etc, mas cada vez mais em Economia Global é indispensável que os empresários assumam a responsabilidade de pensarem o futuro do país. Trata-se de construír para as gerações futuras, envolvendo projectos de longo-prazo. Seria também bom que a classe política seguisse esse mesmo padrão e que se preocupasse com os Portugueses que vão nascer, porque quem se preocupa com as gerações futuras tem sentido de Estado indispensável para nos continuarmos a afirmar como Povo e Nação nestes dias tão difíceis.
Entrevistado por Prof. Pedro Quelhas Brito