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António de Almeida (Celorico da Beira, 1937)

2 filhos e 3 netos

Ano de entrada: 1957

Presidente do Conselho Geral e Supervisão da EDP



Primeiro quero saber quem é o António de Almeida.


É um celoricense que nasceu durante a guerra civil de Espanha, numa família pobre. No início da segunda guerra mundial foi levado
para Moçambique, até regressar a Portugal em 54 para fazer o 6º, 7º ano e tirar economia. Voltou a Moçambique e fez a sua vida lá,
casou, teve filhos. A revolução apanhou-o já numa fase lançada da vida profissional e viajou até Lisboa como um estranho porque
nunca tinha trabalhado em Portugal.


Como era a FEP naquele tempo?


Eu entrei em 57. Era um sótão. Abandonado na Praça dos Leões com poucos alunos, a camaradagem era muito grande. A figura tutelar
do professor Fernando Seabra marcava muito a faculdade. O Direito era um pesadelo. Sem autonomia nas matemáticas nem no cálculo,
tínhamos de as fazer na Faculdade de Ciências. Como anedótico, o equipamento mais adiantado que tínhamos era uma máquina facit que
quando dividia tocava uma campainha. Achávamos piada. Sofremos a conturbação política vivida na altura, tive colegas que foram
presos pela PIDE, depois do movimento de Humberto Delgado. Apanhámos o início da convulsão colonial. Foi uma faculdade de grande
respeito relativamente aos professores e dos professores relativamente a nós. Com dificuldades de vida pessoal, nós comíamos no
Piolho, nuns sítios denominados “restaurantes”. Comíamos muito mal. Passávamos pelo centro universitário e fazíamos um suplemento
alimentar com um bocado de queijo e marmelada. Vivíamos em quartos arrendados, com mais 1 ou 2 colegas num quarto, numa casa muito
velha. Não tínhamos aquecimento nas casas. Depois apareceram os lares de estudantes que eram muito aceitáveis.


E os colegas na altura que sejam pessoas agora conhecidas?

Os meus grandes colegas foram o Valente de Almeida, o Fernando Maciel, o David Ferreira da Silva, o Pinto Ribeiro, o Mota Freitas
e outros que a referir tornariam a lista muito extensa.


O que é que gostou mais da experiência, da vivência como estudante da Faculdade de Economia?


Fui criado em África num ambiente muito fechado. O meu pai era operário. Nós não tínhamos dinheiro para jornais e livros e eu fui
sempre um aluno com dificuldades. Devo muito à Faculdade. Se a minha carreira foi aquilo que foi deve-se ao facto de eu me ter
libertado e me ter descoberto a mim próprio, o que me abriu o gosto pela investigação e pela procura de novas soluções. Procurei
sempre não ser um homem realizado com a solução mais cómoda. Alguns professores que tivemos sempre nos estimularam a procurarmos
mais. E eu consegui fazer-me como profissional graças aos mestres que tive e a pessoas de grande categoria com quem trabalhei. O
que me recordo com grande saudade, porque hoje não vejo essa prática com tanta frequência… Nós estávamos sempre a discutir, a
trocar ideias e isso deu-nos uma capacidade dialéctica que me ajudou tremendamente na vida. A maioria dos estudantes naquela
altura era muito esclarecida politicamente. De uma maneira geral, eram poucos os alunos abertamente pró-regime.


E o que menos gostou?


Uma formação excessivamente teórica. Não era um curso que tivesse uma grande componente de gestão, tinha uma grande componente de
macroeconomia. Quando saí da faculdade, a sensação que senti foi a de estar completamente impreparado para trabalhar
imediatamente. Acabei por descobrir mais tarde que tinha recebido um valioso património, que me ajudou a recuperar esse atraso.
Quando comecei a trabalhar na actividade privada em 1965, tive que fazer toda uma reciclagem na minha formação. O atraso que
trouxera profissionalmente foi rapidamente recuperado porque eu tinha outras bases. Se calhar se tivesse tido depois da faculdade
uma formação profissional, técnica e prática, sentiria a falta dos alicerces básicos para o pensamento.


E agora que conselhos daria às novas gerações que estão neste momento a entrar no mercado. O que é que acha que eles deviam tomar em atenção?


A matemática é essencial, os grandes fundamentos da Economia, a Sociologia. O economista não pode ser apenas um técnico conhecedor
de fórmulas matemáticas e de racios. Tem de perceber o que se passa na sociedade, na política. A nossa actividade tem a ver com o
ser humano, com o funcionamento dos grupos e das sociedades, dos seus anseios, dos seus conflitos, das suas tensões. O domínio de
línguas, pois quem não dominar pelo menos o inglês não consegue sobreviver no mundo actual. Uma última recomendação: não tirem
MBAs sem trabalharem primeiro. Vão trabalhar, de preferência numa empresa em dificuldade. Se forem admitidos logo em bancos, na
EDP, na PT ou na GALP vão ter bons ordenados, bons automóveis, mas vão viver na rotina e correm o risco de morrer na rotina. A
maneira de aprender a vida é perceber o que são as dificuldades dos trabalhadores, dos gestores, dos fornecedores, como se
negoceia com a banca, como se negoceia com os sindicatos. Quando tiram o curso, muitos alunos vão logo de seguida tirar o MBA, dar
aulas e depois um doutoramento. Escrevem uns artigos artigo engraçados, fazem uns papers muito profundos, mas não estão preparados
para este mundo de mudança, de confrontação, do jogo de interesses e de surpresas nem sempre agradáveis. Tão depressa temos uma
economia a crescer, como a cair de repente, como temos empresas lucrativas que poucos anos depois estão quase na bancarrota.
Figurativamente, atrevo-me a dizer que deveria sair um decreto, obrigando os licenciados em economia e gestão a terem que fazer um
estágio em empresas em dificuldade (até deviam ser subsidiados). Ficariam a saber o que custa a vida de alguns empresários,
trabalhadores e fornecedores, mas representaria mais do que alguns anos de faculdade.



Entrevistada realizada por Pedro Quelhas Brito
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