Fernando Távora 1923-2005 Arquitecto, professor e ensaísta |
"Távora é o pai da escola do Porto, mas bisavô da Europa. É uma figura histórica e universal"
(Souto Moura, in Público de 4 de Setembro de 2005)
Fernando Luís Cardoso de Menezes de Tavares e Távora nasceu em 25 de Agosto de 1923 na freguesia de Santo Ildefonso, no Porto, no seio de uma família conservadora, descendente da nobre linhagem dos Távoras. É filho de Dom José Pinto de Tavares Ferrão (1882-1967), Senhor da Casa da Amoreira das Tenentas, Anadia, representante do Vínculo de Fontechão, Bacharel em Direito pela Universidade de Coimbra e ferrenho integrista lusitano, e de sua mulher, e prima em 2º grau, D. Maria José Lobo de Sousa Machado e Couros, Senhora das Casas de São Domingos de Recardães, da Covilhã, do Miradouro e do Costeado e proprietária em Guimarães, Braga e Felgueiras (1892-1951). Foi Senhor da Casa da Covilhã, Fermentões (Guimarães), mas, ao contrário dos seus irmãos, Bernardo Ferrão de Tavares e Távora e Rodrigo Ferrão e Noronha, não usou o título de Dom.
Passou os primeiros anos da sua vida nas propriedades da família, no Minho, na Bairrada e nas praias da Foz do Douro, revelando desde cedo a sua aptidão para o desenho e o seu interesse por casas antigas.
Concluído o curso liceal do Segundo Ciclo no Liceu Alexandre Herculano, em 1940, com a classificação de dezasseis valores, fez o exame de admissão à Escola de Belas Artes do Porto, em 1941, para frequentar o Curso Especial de Arquitetura, contrariando, deste modo, a vontade da família que o queria ver licenciado em Engenharia Civil, um curso, a seu ver, mais prestigiante e mais concordante com a sua condição social.
As clássicas educação familiar e formação inicial foram complementadas pela cultura moderna da educação universitária. Durante quatro anos frequentou o Curso Especial de Arquitetura, inscrevendo-se de seguida no Curso Superior de Arquitetura, em Setembro de 1945, no decurso do qual estagiou com o Arquiteto Francisco Oldemiro Carneiro e realizou vários projetos nos anos de 1946 e 1947 (sobre grande composição, construção geral, composição decorativa, arqueologia e urbanização).
Em 1947 publicou o ensaio "O problema da casa portuguesa. Falsa arquitectura. Para uma arquitectura de hoje.", onde sintetizou a noção de uma arquitetura moderna, mas enraizada na cultura, e onde chamou a atenção para a necessidade de um estudo científico da arquitetura popular portuguesa.
No final do estágio profissional, em 31 de Março de 1950, o seu orientador declarou que ele tinha sido seu colaborador, desde 20 de Dezembro de 1947, e se encontrava apto para desempenhar a profissão escolhida. Em 1952, no Concurso para a Obtenção do Diploma de Arquiteto (CODA), apresentou o projeto Uma Casa sobre o Mar, com o qual obteve a brilhante classificação de dezanove valores, mas que nunca foi concretizado.
Entretanto, em 1955, integrou a equipa responsável pelo "Inquérito à Arquitectura Regional Portuguesa", um trabalho pioneiro no estudo da arquitetura nacional, promovido pelo Sindicato Nacional dos Arquitetos e publicado em 1961.
A sua longa e marcante carreira de docente universitário ligou-se, essencialmente, a três instituições: à Escola Superior de Belas Artes do Porto (ESBAP), onde começou a lecionar, a Faculdade de Arquitectura da Universidade do Porto (FAUP), que ajudou a instalar (foi Presidente da sua Comissão Instaladora) e à Universidade de Coimbra, mais concretamente ao Departamento de Arquitetura da Faculdade de Ciências e Tecnologia, constituído com a sua colaboração nos anos oitenta do século XX.
Entre 1957 e 1958 prestou assistência graciosa na ESBAP, passando em 14 de Abril de 1958 a 2º assistente do 1º grupo. Em 1962 (29 de Junho), foi nomeado Professor Agregado do 1º Grupo de Disciplinas e a 3 de Abril de 1963 tomou posse das funções de 1º Assistente do 1º Grupo da ESBAP. Em 1970 (14 de Abril), foi contratado, por conveniência urgente de serviço, para professor do 1º Grupo, mantendo-se no cargo até 13 de Maio de 1986. Na FAUP foi professor associado, entre 14 de Maio de 1986 e 24 de Setembro de 1989, e professor catedrático de 25 de Setembro de 1989 a 24 de Agosto de 1993. Pediu a aposentação em 1993.
Nas aulas vivas e cativantes deste professor competente e interessado, os tradicionais diapositivos eram, por vezes, substituídos por desenhos da sua autoria e os alunos instigados a viajar, tal como ele fez durante toda a sua vida, por prazer e para estudar arquitetura e trabalhar.
Como poucos, participou, entre 1951 e 1959, nos Congressos Internacionais de Arquitetura Moderna, da Conferência Internacional de Artistas da UNESCO de Veneza, Hoddesdon, Aix-en-Provence, Dubrovnik and Otterlo, onde conheceu, entre outros, a figura mítica do arquiteto Le Corbusier. Foi Bolseiro da Fundação Calouste Gulbenkian e do Instituto para a Cultura nos Estados Unidos e Japão (1960).
Em 9 de Fevereiro de 1954 contraíra matrimónio no Mosteiro de Nossa Senhora do Pilar, em Santa Marinha, Vila Nova de Gaia, com D. Maria Luísa Rebelo de Carvalho Menéres (1930-), licenciada em Artes Plásticas pela Escola Superior de Belas-Artes do Porto, de quem teve três filhos: José Bernardo Menéres de Tavares e Távora, Maria José Menéres de Tavares e Távora e Luísa Teresa Menéres Tavares e Távora.
Os seus projetos arquitetónicos construídos, tais como o Mercado Municipal de Santa Maria da Feira (1953-59), o Pavilhão de Ténis da Quinta da Conceição, em Matosinhos (1956-1960), a Casa de Férias no Pinhal de Ofir, em Fão (1957-1958), a Ampliação das instalações da Assembleia da República, em Lisboa (1994-1999) ou a Casa da Câmara/Casa dos 24, no Porto (1995-2002), refletem um forte sentido de responsabilidade social na forma como associa a criatividade à criteriosa abordagem ao sítio, aos pormenores técnicos e à funcionalidade da obra.
Na área da conservação do património deixou trabalhos inigualáveis, como a recuperação do Convento de Santa Marinha da Costa e sua transformação em Pousada (1975-1984) e a redescoberta e reabilitação do Centro Histórico de Guimarães (1985-1992), classificado como Património da Humanidade pela UNESCO em 2001; o projeto de remodelação e expansão do Museu Nacional de Soares dos Reis (1988-2001) e o restauro exemplar do Palácio do Freixo e áreas envolventes, no Porto (1996-2003).
Foi também arquiteto da Câmara Municipal do Porto e Consultor da Câmara Municipal de Vila Nova de Gaia, do CRUARB (Comissariado para a Recuperação Urbana da Área da Ribeira - Barredo), da Comissão de Coordenação da Região Norte e do Gabinete Técnico da Câmara Municipal de Guimarães. Foi Membro Conselheiro do Comité de Cursos de Campo de Arquitetura da Comunidade Económica Europeia.
Morreu vítima de cancro, no dia 3 de Setembro de 2005, no Hospital Pedro Hispano, em Matosinhos. O seu corpo esteve em câmara ardente na capela da sua casa de Fermentões, um solar seiscentista reformado em Oitocentos e nos anos setenta do século XX, pelo próprio, sendo depois trasladado para o Porto, onde foi cremado no Cemitério do Prado do Repouso.
Ficou a obra de um dos maiores vultos da Arquitetura Contemporânea Portuguesa, fundador e mestre da "escola do Porto", que precocemente reconheceu talento no aluno Álvaro Siza e soube, como ninguém, fazer a síntese entre a arquitetura tradicional nacional, marcante na sua obra dos anos 50 e 60, e a arquitetura moderna internacional, bem presente nos seus projetos dos anos 80 e 90 do século XX. É um autor da continuidade, avesso a ruturas, para quem uma obra arquitetónica tem de ser entendida no contexto do ambiente envolvente.
Como o próprio dizia, "eu sou a arquitectura portuguesa".
(Universidade Digital / Gestão de Informação, 2008)