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Maria de Sousa

Em “A História dos Homens que Inventaram um Sonho”

de Rui Martins e Corália Vicente

 

OASIS À VISTA

(Página 59)

As notícias sobre a existência de uma escola inovadora espalharam-se depressa. O prof. João Monjardino, da Comissão Instaladora e uma referência na área da Biologia Molecular, encontrou a profª. Maria de Sousa no Funchal e logo aproveitou para lhe apresentar o projeto. A investigadora gostou do que ouviu mas confessa que só mais tarde, numa deslocação ao Porto, é que se apercebeu da verdadeira dimensão da escola:

«Fiquei impressionada com três coisas: em primeiro lugar, a atmosfera, o entusiasmo e a alegria de quem estava a construir algo novo; depois, a amizade, o afeto, o respeito, o espírito de equipa entre os profs. Corino de Andrade, Nuno Grande e Ruy Luís Gomes (havia uma subtil cumplicidade entre eles e havia, ainda, a presença distante de Abel Salazar); em terceiro lugar, a determinação e o dinamismo do prof. Nuno Grande».

Maria de Sousa, que fez história no ICBAS ao introduzir em 1985 o mestrado em Imunologia, contava já com uma vasta experiência de ensino no Reino Unido e nos Estados Unidos. Conhecia bem o ambiente, tanto em Nova Iorque como no Massachusetts, e não tem dúvidas de que o novo instituto tinha caraterísticas que lhe faziam lembrar a prestigiada Universidade de Harvard.

«Foi uma pedrada no charco em Portugal. Por isso criei, por brincadeira, a sigla OASIS (Oporto Abel Salazar Institute for the Sciences), que era uma forma de poder explicar aos meus amigos estrangeiros aquilo que o instituto representava no panorama universitário português: um oásis».

Numa das suas visitas ao Porto dedicou a Corino de Andrade um texto, com o título “Saudação do Chegar”, e que ilustra o ambiente que reinava no instituto:

Senhor el-rei

do aquém e do além do mar da invenção:

cheguei.

Vinda de distantes tempos,

vinda de distantes espaços,

toda eu distância,

toda eu distante,

distante de acreditar em reinos de sul,

toda eu ocidente, toda eu norte,

senhor el-rei,

cheguei.

Em seu reino

vim encontrar reflexos de seu reinar

nos olhos determinados de seus súbditos,

determinados a descobrir,

determinados a completar,

determinados a construir,

súbditos de ocidente e norte,

leais, mas não submissos

voluntários súbditos do país e do sonho ao sul

sonhado fora do tempo medido,

agora parido

entre paredes reconstruidas,

no querer de gentes comprometidas

a cumprir-se, a cumprir o que todos somos,

sem em grande parte o sabermos,

silenciado o ouvir da invenção

no coração das crianças,

submetidas ao ditado e à televisão.

Raro rei,

raro reinado,

raro reinar,

aqui tem minha saudação ao chegar:

acreditar.

Das muitas histórias que Maria de Sousa guarda na memória há um episódio que faz questão de destacar. A 4 de dezembro de 1980 participou, a convite do prof. Daniel Serrão, numa reunião em Lisboa, de onde é natural. No jantar que se seguiu teve a oportunidade de conhecer um jovem professor de Patologia, Manuel Sobrinho Simões. Percebeu, nessa altura, que «se respirava ciência no Porto, porque havia grupos de muita qualidade a trabalhar em áreas afins ao meu interesse, como a Imunologia, a Hematologia e a Anatomia Patológica».

O bom ambiente, porém, foi abruptamente interrompido. «O prof. Daniel Serrão saiu muito consternado com a notícia do desastre do avião em Camarate, em que Sá Carneiro perdeu a vida».

Tanto Maria de Sousa como Alexandre Quintanilha são dois exemplos das inúmeras personalidades que vieram de fora para enriquecer e prestigiar o quadro de professores da escola. Mas há muitos outros casos, como os dos profs. Lima de Faria (Universidade de Lund, Suécia), Rui Cláudio de Sousa (Universidade de Genebra, Suíça) e Lopes da Silva (Universidade de Utreque, Holanda).

Recordam-se ainda outros nomes de alta craveira como os dos profs. Rosa Costa, Carlos Azevedo, Lima de Faria, Alberto Amaral, Pilar Ribeiro, Rogério Monteiro, Marini de Abreu, Maria Antonieta Mansilha, Sieuve Monteiro, Arala Chaves, Maria João Saraiva e Jorge Sequeiros, figuras de grande preponderância, que se associam aos rostos da pesquisa sistemática de um ensino mais dinâmico e abrangente.

Há também o registo de docentes que fizeram doutoramentos no estrangeiro e regressaram, depois, com a experiência de terem trabalhado em importantes laboratórios internacionais.

«Identifiquei-me com essa estratégia» – disse-nos Albino Aroso, médico, político e docente do ICBAS, conhecido por “pai” do planeamento familiar em Portugal. «Também estive no estrangeiro, trabalhei em países nórdicos e aprendi muito com as pessoas de lá. Vi como as coisas funcionavam e fiquei espantado com a organização deles».

 

O MESTRADO DE IMUNOLOGIA NO ARRANQUE DO ENSINO PÓS-GRADUADO

(Página 131)

Em 1985, na altura em que comemorava o seu 10º aniversário, , o ICBAS entrou para a história do ensino pós-graduado em Portugal, com o inicio do mestrado em Imunologia. Foi um curso inovador na área da Biologia. «As pessoas, na altura, pensavam que um mestrado era uma coisa técnica, não para serem aprendizes de cientistas e investigadores», diz a  Maria de Sousa, que chegara de uma realidade totalmente diferente, nos Estados Unidos. «Hoje é até difícil descrever o cenário da época. Não havia tradição do pós-graduado, as pessoas nem sabiam o que isso era».

Não havia bolsas para os estudantes, nem dinheiro. Os poucos alunos inscritos pagavam como podiam. Mas valeu a pena o esforço. Acabou por sair dali um lote de investigadores de grande qualidade, que se doutorou, mais tarde, no estrangeiro. «Mariano Gago impulsionou, depois, a criação de programas doutorais. Em 1993, surgiu o da Gulbenkian (até lhes chamavam os “surperdoutores”), mas foi no ICBAS que tudo começou, em 1985», diz Maria de Sousa.

A cientista “trouxe” dos Estados Unidos um laboratório quase completo, oferta do Sloan Kettering Center Institut de Nova Iorque, onde tinha trabalhado. A escola «limitou-se a pagar o transporte do material desde o porto de Leixões até às instalações do ICBAS e uma taxa de 1000 escudos (5 euros)», como referiu Nuno Grande ao jornal Diário Popular, em entrevista publicada em 10 de dezembro de 1985.

Maria de Sousa tomara a decisão de vir para Portugal em 1981, «porque descobri que havia hemocromatose no Norte, que era precisamente a doença que eu queria estudar. Cheguei em 1985. Felizmente, deram-me a oportunidade de trazer um laboratório, que foi montado no edifício antigo. Claro que houve problemas porque a corrente elétrica é diferente dos Estados Unidos. Mas, depois, tudo se resolveu. Os meus amigos norte-americanos ajudaram imenso. Enviaram equipamentos, revistas, livros, etc».

O laboratório veio dar resposta à grande preocupação do Conselho Científico do ICBAS, quando analisou o projeto de Maria de Sousa pela primeira vez, em 15 de dezembro de 1982. «A ideia é excelente mas preocupa-me o espaço, as verbas necessárias e até a organização do curso. Creio que a professora Maria de Sousa só conhece uma parte das nossas dificuldades. Vai ser necessário fazer obras no edifício. Mas, se conseguirmos condições e apoios, o ICBAS sairá muito prestigiado», disse  Arala Chaves, numa reunião presidida pelo professor Sieuve Monteiro.

Magalhães Cardoso sugeriu, entretanto, que se deveria «solicitar ao Ministério da Educação e Universidades verbas suplementares para efetuar as obras». A ideia mereceu a concordância do prof. Oliveira Torres, que acrescentou: «O ICBAS deve dar todo o apoio a estas iniciativas e, neste caso, seria um grande passo em frente. Não podemos enjeitar responsabilidades com base nas carências existentes. Temos que criar condições, temos que trabalhar para isso».

Maria de Sousa ajudou a resolver o problema, quando “trouxe” o laboratório de imunologia. O equipamento despertou a curiosidade do Presidente da República, Ramalho Eanes, quando no dia 12 de novembro de 1985 se deslocou ao Porto, no âmbito de uma sessão de comemorações do 10º aniversário do instituto.

«A desproporção entre o que se exige e o que se oferece aos jovens determina a urgência de atuar responsavelmente no sentido de lhes garantir escolas mais eficientes e bem apetrechadas, professores mais preparados e mais motivados e um mercado de trabalho mais aberto de possibilidades à saída dos seus cursos», disse Eanes.

O Presidente da República esteve sempre ladeado por Paulo Mendo e Corino de Andrade, em representação do corpo diretivo do instituto. Paulo Mendo recordou, na altura, as dificuldades sentidas durante a primeira década «inerentes à falta de experiência e de estruturas preparadas, sem esquecer as incompreensões, desalentos e mesmo oposições que diariamente se levantam a quem quer fazer algo fora dos caminhos que o hábito trilha».

O mestrado em Imunologia arrancou em 1985, depois de ter sido oficializado pela portaria 471/84, de 19 de julho de 1984. O curso foi centrado predominantemente em práticas de laboratório e seminários, em torno dos trabalhos de bancada e de artigos-chave em estudo. Pretendia-se dar condições aos alunos para fazerem projetos de mestrado (no segundo ano) ou de doutoramento (nos dois, a três anos seguintes) em qualquer laboratório de Biologia, dentro ou fora do país.

As áreas científicas e as unidades de crédito necessárias ficaram distribuídas da seguinte forma: Imuno-Anatomo-Fisiologia, Bioquímica, Genética Molecular, Imunogenética e Genética de Resposta Imune, Imunologia Clínica e Hematologia.

Foi determinado pelo Ministério da Educação que seriam admitidos os titulares das licenciaturas em Medicina, Medicina Veterinária, Farmácia, Biologia e Bioquímica.

O laboratório de imunologia veio, nessa altura, juntar-se a um outro imponente e valioso equipamento que o ICBAS acabara de adquirir: o microscópio eletrónico. O professor Carlos Azevedo conseguiu angariar verbas para a aquisição do aparelho, que passou a fazer parte do laboratório de Biologia Celular, a partir de 1984. Deixou, assim, de ser necessário levar as amostras para serem analisadas na Faculdade de Medicina.

A instalação da volumosa estrutura, com uma envergadura de quase dois metros, não foi fácil e deixou marcas. «O único espaço disponível situava-se numa espécie de arrecadação, num piso inferior do edifício antigo», diz Elsa Oliveira, técnica especialista de Anatomia Patológica. «Para lá chegar era necessário descer uma estreita escada em caracol e o aparelho não passava por ali. Por isso, foi preciso derrubar uma parede exterior da sala».

Na altura da mudança para o novo edifício «foi necessário derrubar de novo a parede para o tirar de lá», - prossegue. «Mas, passados todos estes anos, continua a funcionar em pleno. Houve apenas a preocupação de o modernizar ao nível da fotografia das células, cujo processo tradicional deu lugar à digitalização e ao uso de ficheiros. Para isso, montou-se uma pequena estrutura de apoio informático que permite que este valioso microscópio eletrónico esteja perfeitamente atualizado».

O microscópio eletrónico tem mais de 30 anos mas cumpre cabalmente a sua função para diagnósticos, aulas, investigação e apoio a artigos científicos.

 

GABBA: GREATEST HITS

(Página 225)

“A alma do lugar é importante, assim como a da história que lhe dá identidade. Só que os tempos hoje são demasiado velozes para que todos valorizem essas dimensões, o que não significa que elas percam o seu valor e significado. Mas a verdade é que, tal como há dois mil anos, o que fica é o que está escrito, é o que deixa provas que o futuro possa recuperar ou revalorizar. Tudo o mais faz parte do efémero da vida e da memória que só muito raramente – quase sempre por via escrita diferida – se transmite e conserva para além da vida de cada um.”

Maria de Lurdes Correia Fernandes, num texto elaborado para Maria de Sousa, inserido no livro “A Decade and a halt in the Life of a Graduate Program”, publicado em 2011 para assinalar a passagem do 15º aniversário do GABBA e no âmbito das comemorações do primeiro centenário da Universidade do Porto.

“O que queres ser quando fores grande?” A pergunta surgiu-lhe na infância como acontece naturalmente. Aos 12 anos, Fátima Macedo já não tinha dúvidas: cientista! Durante a adolescência, a determinação ganhou força e o sonho concretizou-se no Instituto de Patologia e Imunologia Molecular da Universidade do Porto (IPATIMUP). Quando por lá passou para desenvolver a tese de licenciatura ouviu falar de um programa inovador, chamado GABBA. A experiência e a qualidade dos professores foram determinantes. Convenceram-na. No âmbito do projeto, desenvolveu um doutoramento entre o Instituto de Biologia Molecular e Celular (IBMC) e o Harvard Medical School. Entre o Porto e os Estados Unidos estudou os linfócitos T. O seu trabalho contribuiu para o conhecimento de como o ferro e a transferrina influenciam os linfócitos T biológicos.

Tal como Fátima Macedo, muitos outros jovens cientistas desenvolveram importantes trabalhos de investigação, no âmbito do “Graduate Program in Applied and Basic Biology Areas” (GABBA).

A iniciativa surgiu em 1996 no âmbito da Universidade do Porto (UP) e granjeou, desde logo, grande prestígio científico e pedagógico à escala internacional. O objetivo era disponibilizar ensino pós-graduado de excelência em consonância com investigação avançada em áreas de grande potencial científico.

Para além do ICBAS, o programa reuniu competências da Faculdade de Ciências e Tecnologia, da Faculdade de Medicina e de dois laboratórios associados, o Instituto de Biologia Molecular e Celular (IBMC)/Instituto Nacional de Engenharia Biomédica (INEB) e o Instituto de Patologia e Imunologia  Molecular da Universidade do Porto (IPATIMUP).

O modelo não fazia parte da cultura universitária mas gerou uma dinâmica de partilha de conhecimentos, de cruzamento de especialidades, de rendibilização de recursos e de diálogo interpessoal, com efeitos muito positivos nos processos de aprendizagem e investigação. No fundo, tratava-se da busca constante da inter e multidisciplinaridade do conhecimento, para o desenvolvimento científico.

Com o GABBA tornou-se particularmente atrativa a possibilidade de escolha alargada para integrar grupos de investigação nas melhores instituições, não só em Portugal mas também na maioria dos programas de doutoramento em todo o mundo. Os alunos passaram a ter a oportunidade de prosseguirem os seus trabalhos nas instituições mundiais de topo, como a Universidade de Harvard (EUA), Instituto Salk (Califórnia), Imperial College London, Instituto Pasteur e Instituto Curie (Paris), Universidade de Edimburgo (Escócia), Instituto Max Planck (Alemanha), Universidade Nova Iorque, Universidade Rockefeller (Nova Iorque) e muitas outras, com artigos publicados nas mais prestigiadas revistas científicas, como Nature, Science, American Naturalist, Blood, Gut, PLoS, PNAS, Current Biology e Cell, para além de publicações em jornais de grande qualidade.

O programa contou com o contributo da generalidade dos docentes, investigadores e estudantes. Mas o projeto só foi possível graças à visão, trabalho e persistência de um grupo de professores de diferentes escolas, de uma mesma universidade, que reconheceram a mais-valia da “colegialidade”. Maria de Sousa (Imunologia), Maria da Conceição Magalhães (Biologia Humana), António Amorim (Genética) e Manuel Sobrinho Simões (Oncobiologia) acreditaram que, com trabalho e ideias partilhadas num único programa multidisciplinar de Biologia Básica Aplicada, podiam abrir Portugal ao mundo, com um enorme contributo para o progresso científico, social, cultural e económico.

Mais tarde, os professores José Castro Lopes e Fátima Carneiro juntaram-se à coordenação do programa. Também a Fundação para a Ciência e Tecnologia, através do seu presidente,  João Sentieiro, prestou uma preciosa colaboração.

«A principal lição desta experiência foi que se uma pessoa quer fazer alguma coisa, pode ser bem-sucedida se estiver rodeada pelas pessoas certas», diz Maria de Sousa.

Sobrinho Simões refere que «fazia sentido juntar os quatro programas num único e alargar o espectro a um programa de doutoramento em Biologia. Começamos a ter, pela primeira vez, as faculdades a trabalhar em conjunto com os institutos de investigação. Para além disso, os nossos programas a tempo inteiro tinham uma forte componente prática, ao contrário de outras iniciativas no país, que eram basicamente cursos de mestrado de lápis e caneta».

Até então havia apenas um programa de doutoramento deste género em Portugal, que pertencia à Gulbenkian. Mas  António Amorim explicou, no mesmo livro “A Decade and a Half in the Life of a Graduate Program”, que esse programa «tinha um contexto diferente, porque pertencia a uma instituição privada, não pertencia à universidade portuguesa. Por isso, o GABBA foi o primeiro programa sob a responsabilidade de uma universidade, neste caso, do Porto».

O GABBA tinha também a particularidade de permitir o trabalho em diferentes campos de investigação biológica logo no primeiro ano. Isso foi muito positivo para quem ainda não tinha definido uma área específica de investigação e para os que não tinham um passado académico ao nível das ciências biológicas.

«Era motivador participar num programa onde os jovens pudessem ter liberdade de escolha em relação ao seu futuro na ciência. Foi uma oportunidade que nós nunca tivemos mas que poderíamos proporcionar às gerações mais jovens», considerou Fátima Carneiro, em declarações à mesma publicação.

O programa ficou sediado nas instalações do ICBAS mas a direção científica passou, depois, a rodar sucessivamente entre as “Biomédicas”, a Faculdade de Medicina e a Faculdade de Ciências.

Sobrinho Simões refere que «o reitor da UP, Alberto Amaral, mostrou-se agradado com a ideia porque acreditava em escolas de pós-graduação e acreditava no trabalho conjunto entre as faculdades e os institutos de investigação. Tanto quanto eu julgo saber, foi a primeira vez que um programa de doutoramento foi criado em Portugal… sem suporte legal. E teve um caráter ainda mais exclusivo pelo facto de ser baseado em três diferentes faculdades, dois diferentes institutos de investigação e quatro programas de mestrado. Isto contrariava a maneira como as coisas funcionavam normalmente em Portugal: primeiro redigia-se a lei, depois tomava-se a iniciativa. Uma vez que já tínhamos o apoio do reitor da UP, só precisávamos de fundos para que o sonho do GABBA se tornasse realidade».

O apoio financeiro necessário foi obtido através do «generoso contributo da Faculdade de Ciências e Tecnologia e da Fundação Gulbenkian» - prosseguiu Sobrinho Simões -. «Para além disso, creio que os quatro professores fundadores (Maria de Sousa, Maria da Conceição Magalhães, António Amorim e eu) foram sempre muito determinados, foram autênticas forças da natureza. Nunca desistimos até termos aquilo que necessitávamos, o que não é muito vulgar neste país».

Mas a falta de enquadramento legal acabou por provocar um momento difícil. «Tivemos que parar durante um ano (1998) e tentar arranjar uma saída», diz Sobrinho Simões. «Com base no sucesso dos dois primeiros anos e no potencial que o programa tinha, conseguiu-se elaborar um enquadramento legal com a Secretaria de Estado e publicá-lo no Diário da República. É notável que este enquadramento legal do GABBA serviu depois de base para enquadrar o IBMC e o IPATIMUP como parceiros oficiais da UP. Penso que o GABBA foi algo que ajudou a mudar mentalidades e ajudou a dar um grande passo no sentido da integração das unidades de investigação na UP».

Ultrapassado este problema, outros surgiram, entretanto, e a profª Maria de Sousa recorda alguns deles:

«Os reitores que sucederam a Alberto Amaral não mostraram a mesma sensibilidade que ele. A falta de apoio e a incompreensão foi para nós uma frustração. A nossa ideia era ter um programa multi-institucional com base na UP e não em qualquer faculdade em particular. Por isso, precisávamos de apoio administrativo e de secretaria. Não obtivemos qualquer destas modestas aspirações e tivemos que ser nós próprios a encontrar soluções».

Para colmatar a lacuna ao nível da secretaria, Maria de Sousa evoca um episódio que acabaria por ser decisivo. «Estávamos a entrevistar um jovem estudante candidato ao GABBA mas as suas escolhas profissionais estavam, em parte, condicionadas pela sua vida pessoal, em particular pela sua futura esposa. Disse-nos que ela tinha uma formação de secretariado e, em poucos segundos o diretor da altura, António Amorim, encontrou a primeira secretária do programa.». Com o tempo o GABBA granjeou uma vasta experiência, com investigadores que possuem uma grande base potencial para construir uma rede produtiva científica. Os primeiros que concluíram o programa de doutoramento atingiram a fase madura como investigadores e já multiplicaram os efeitos do percurso académico.

Para além do exemplo já citado de Fátima Macedo, há dezenas de outros “alunos GABBA”, como Afonso Almeida, que também começou em 1996. Completou o doutoramento no Instituto Pasteur de Paris, sob a supervisão de António Freitas, estudando as dinâmicas de diferentes populações de células no sistema imunitário.

Carla Cardoso, motivada por projetos na área da Herpetologia e Genética Humana, decidiu dar seguimento à carreira com investigação na Biologia. Completou o doutoramento no ICBAS, em 2002, com um estudo sobre a imunologicamente relevante mutação de genes responsável pela hemocromatose na população portuguesa.

Cristina Ferreira escolheu Londres para desenvolver a sua carreira científica, estudando como os vários aspetos do sistema imunológico podem ser afetados pela diabetes.

Outro dos primeiros alunos, Rui Manuel Reis, desenvolveu estudos no âmbito da Neuro-Oncologia na Agência Internacional de Investigação do Cancro em Lyon (França).

Para a história ficam os modelos seguidos pelos alunos do primeiro ano: Bioestatística, Oncobiologia, Homeostasia do Sistema Imunológico, RNomics, Ciclo d Célula, Ética, Ciência e Sociedade, Parasitologia, Biologia Estrutural, Genética Populacional, Evolução da Genética, Neurociência, Epidemiologia Genética, Terapia Molecular, Regulação da Expressão Genética, Biologia Linfócito T, Desenvolvimento Biológico e de Biometais.

Para além dos inscritos, o programa é extensível a laboratórios de outras universidades portuguesas, como a de Lisboa (RNomics), Aveiro (Functional Proteonics), Instituto para Higiene e Medicina Tropical (Parasitologia em Saúde Tropical), Instituto de Ciência da Gulbenkian em Oeiras (Virologia), para além de laboratórios de fora do país, como do Centro Andaluz de Biologia do Desenvolvimento.

Alguns módulos são lecionados por investigadores portugueses que trabalham fora do país, como no Instituto Pasteur ou no Institut Nacional de la Santé et de la Recherche Médicale (INSERM).

 

In 2018- Rui Martins-A História dos Homens que inventaram um sonho – ed. ICBAS

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