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A combinação da investigação clínica e translacional é essencial para o avanço da ciência e da medicina. A afirmação foi feita por Francisco Cruz, subdiretor da Faculdade de Medicina da Universidade do Porto (FMUP), responsável pela Annual Student Research Conference, com chancela do Bicentenário da FMUP.
Com três mesas redondas em Oncologia, Cardiologia e Neuroengenharia e oradores da FMUP, a iniciativa decorreu a 22 de outubro, no Edifício Abel Salazar, no Porto, integrando-se no programa da EUGLOH Annual Summit 2025 – “From Vision to Impact: European Universities Shaping EU Innovation and Competitiveness”.
Na abertura, o subdiretor da FMUP realçou o papel da investigação na prática clínica, recordando que importantes descobertas científicas dependeram de fatores como o acaso (“serendipity”), da observação, da formulação de novas hipóteses e da sua confirmação.
“Muitos fármacos estão no mercado por acaso”, sublinhou, dando os exemplos do “viagra” e da toxina bolulínica. Foram evidências do “mundo real”, isto é, “observações casuais de efeitos inesperados”, que deram origem a novos estudos científicos para aferir a sua possível aplicação em várias doenças.
Como urologista, Francisco Cruz deteve-se, sobretudo, nos estudos realizados com a toxina botulínica até que esta pudesse ser utilizada na incontinência urinária e, mais recentemente, na cistite intersticial ou síndrome da bexiga dolorosa. O mesmo tem acontecido noutras áreas, embora nem sempre com a celeridade desejada.
“Pode demorar muitos anos, mas os resultados podem ser muito importantes, sobretudo para aquelas doenças em que ainda não temos um tratamento efetivo”, afirmou o investigador, que teve, ao seu lado, Ana Charrua (FMUP/RISE-Health). Além disso, tendo em conta que muitos doentes são acompanhados durante toda a vida, a investigação pode contribuir para uma diminuição das despesas do sistema de saúde.
Raphaël Canadas (FMUP/RISE-Health) lidera um projeto cujo objetivo é identificar novas classes de biomarcadores e desenvolver um método de diagnóstico de cancro da bexiga não invasivo e de baixo custo, com a integração de ultrassons e da imagiologia e recurso à inteligência artificial. A citoscopia, um exame invasivo, não preditivo e com riscos associados, continua a ser o “gold standard” no diagnóstico deste cancro urológico.
Premiado no âmbito do programa CaixaImpulse Inovação em Saúde 2024, o cientista tem trabalhado com a ULS de São João e tem já resultados promissores. O trabalho continua no laboratório, em linhas celulares, e, em paralelo, a nível da engenharia, na tentativa de criar um sistema capaz de sinalizar as células cancerígenas, presentes em ínfima quantidade. “Os computadores conseguem ver coisas que nós não conseguimos ver”, justificou.
Falando nesta mesa, Paula Soares (FMUP/i3S) apresentou a sua experiência para provar como a investigação pode ir da bancada para o produto, e vice-versa. Como investigadora em cancro, debruçou-se sobre a imortalidade replicativa das células tumorais, relacionada com a telomerase, cuja expressão está aumentada no cancro e, em particular, no cancro urotelial.
A entrega de um Prémio (Everis), em 2015, implicou a criação de uma start-up e o desenvolvimento de um produto para detetar cancro da bexiga, o segundo cancro do trato urinário mais frequente. “Continuamos no laboratório e estamos a melhorar o produto”, contou a também scientific advisor da U-Monitor.
Por sua vez, Pedro Mendes Ferreira (FMUP/RISE-Health), recordou o peso global das doenças do coração, líderes em mortalidade. Apesar disso, apenas 10% das descobertas em insuficiência cardíaca são transferidas para a prática clínica. Na base desta dificuldade em combinar academia e medicina podem estar barreiras como a falta de tempo dos clínicos para se dedicarem à investigação.
Quanto à necessidade do modelo animal, ressalvou que ainda não existe um método alternativo. “Não há nenhum fármaco para esta patologia que não tenha sido testado em modelo animal”, salvaguardou. Por isso, animais de maior porte, como os porcos, têm um papel fulcral na investigação de translação de terapêutica cardiovascular inovadora”, disse.
Pedro Mendes Ferreira, o único a intervir na mesa de Cardiologia, referiu ainda os projetos desenvolvidos por si e pela sua equipa, com destaque para o REBORN, que visa intervir no coração doente com um patch que libertará fármacos, e o SECRET (Sequential Cardiac REsynchonization therapy), que investiga os benefícios de um novo tratamento.
A última mesa redonda foi protagonizada pelos investigadores FMUP/RISE-Health Luís Jacinto e Patrícia Monteiro, com o primeiro a enfatizar o papel da Neuroengenharia translacional no desenvolvimento de ferramentas e métodos capazes de interagir com o sistema nervoso para investigação em Neurociências, no diagnóstico e no tratamento de uma série de doenças.
Pelo seu papel interdisciplinar, acredita que a Neuroengenharia está “bem posicionada para transferir as inovações para a clínica”, como sistemas implantáveis para pessoas com perturbação obsessivo-compulsiva (POC). O desafio é modular a atividade oscilatória que ocorre no cérebro em doentes reais.
A última a intervir foi Patrícia Monteiro, que falou sobre como transformar a descoberta científica em terapias, a partir das lições retiradas dos seus estudos pré-clínicos no autismo. Embora não conheça a causa do autismo, sabe-se que há uma componente genética. O foco dos seus estudos foi o SHANK3. Neste momento, está em pipeline uma terapia genética investigacional que pretende atuar no autismo.
Dirigida sobretudo a estudantes de pós-graduação, a 6th Annual Student Research Conference (ASRC) constituiu uma oportunidade única para que estudantes de toda a Europa debatessem a Saúde Global.