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Sessão 16 | Seminários de Investigação MLAG 2023/2024

19 de junho 2024 | 10h30 | Sala de Reuniões 2​ e Online

 

Sessão 16

Às coisas elas-mesmas” [<<zu den Sachen selbst>>]: pode a antropologia cultural realizar reduções fenomenológicas? 

Rafael Antunes Padilha (IF / Universidade do Porto)

 

FORMATO HÍBRIDO
ONLINE | Link Zoom
Código de acesso: 
141918


Resumo: O conhecimento antropológico é produzido e reproduzido em condições complexas entre o pesquisador, sua formação cultural e histórica, e as práticas linguísticas e culturais dos grupos estudados. Esse processo é permeado por uma sensibilidade cultural, que pode ser entendida como a capacidade de estar aberto à alteridade e à diversidade cultural. No entanto, essa sensibilidade é inevitavelmente influenciada pela posição do pesquisador em sua própria cultura e contexto social. A reflexividade desempenha um papel crucial nesse processo, exigindo uma consciência crítica das representações culturais e das relações de poder que moldam a pesquisa antropológica. Nas últimas décadas do século XX, a antropologia foi confrontada com uma crise que levou a novas reflexões sobre seus fundamentos metodológicos, teóricos e éticos. Teóricas feministas e pós-coloniais contribuíram para essa reflexão, destacando questões de poder, localização e subjetividade na produção do conhecimento antropológico. A reflexividade também aponta para a necessidade de confrontar e desafiar representações culturais que podem perpetuar preconceitos e estereótipos, bem como as disparidades de poder entre os pesquisadores e os grupos estudados. Em suma, o propósito da antropologia é compreender e interpretar a diversidade cultural humana de forma ética e reflexiva, reconhecendo as complexas dinâmicas de poder e representação que influenciam esse empreendimento.

Muitos exemplos podem ser extraídos de descrições etnográficas de contextos de vida radicalmente diferentes e como foram apresentadas ao longo da história da disciplina. Os “caçadores de cabeças” Ilongot foram retratados como homens violentos, cheios de raiva, definidos (categorizados) pela violência da caça de cabeças; os ansiosos trobriandeses, que, segundo Malinowski, recorriam à feitiçaria para “dar sentido” aos fenômenos incontroláveis da vida cotidiana e Frazer, tão emblemático de uma antropologia “de gabinete”, que cometeu o pecado original contra o projeto antropológico (o que enfureceu Wittgenstein) de condescendência e do sentimento cientificista antirreligioso. Antropólogos de outrora, da corrente funcionalista e evolucionista social, ansiavam por confirmar a superioridade da ciência e dos valores, conhecimentos e ética ocidentais contra os ditos povos “subdesenvolvidos” e “ingênuos” do mundo colonizado — a justificativa de princípios que materializava o “fardo do homem branco”. No entanto, após a descolonização iniciada no pós-guerra, a reflexividade, conforme postulada na crise da representação dos anos 1980, emergiu após críticas marxistas, estruturalistas e pós-modernistas sobre os problemas políticos pertinentes à disciplina.

À medida que as antigas colônias conquistavam sua independência, intelectuais nativos levantavam suspeitas contra os antropólogos — que muitas vezes se viam como aliados de suas causas — em relação a seus legados teóricos e práticos: teriam os intelectuais ocidentais o direito de falar e descrever “os outros”? Quão “objetivas” são essas representações e real é a realidade social apresentada? Como se pode falar de uma sociedade viva, repleta das próprias complexidades, processos, peculiaridades, mudanças constantes e minúcias, passando apenas curtos períodos num grupo particular e localizado? Acusações de “monopólio” e “poder discursivo” contra a academia abundaram fora e dentro da antropologia profissional na América e, posteriormente, na Europa. Críticos também apontaram para o caráter “monológico” dessas descrições e como a antropologia se aproximava mais de formas artísticas literárias e menos de uma ciência “objetiva”. Outros, como eu, acreditam que a antropologia consocia o senso de identidade e individualidade que nós, ocidentais ou não (todos podemos praticá-la), engajamos com visando fornecer contrapartes sensíveis e vividas às estruturas normativas de nossa conduta e existência. Por um lado, o movimento teve consequências, desde etnografias de práticas científicas segundo perspectivas pós-modernas e pós-estruturalistas, até trabalhos sobre a cultura e práticas sociais do Ocidente, revertendo à introspecção do euramericano pelo olhar antropológico. Por outro, houve uma proliferação de revisões metodológicas que apresentaram versões de propostas fenomenológicas, desconstrucionistas, visuais e fortemente filosóficas sobre como se abordar a alteridade, inclusive a radical, a escrita da cultura e disparidades em visões de mundo que podem ou não ser bem traduzidas para a nossa perspectiva. A partir disso, tanto a fenomenologia quanto a ontologia entraram polemicamente no debate meta-antropológico dos anos 1990 em diante, informados por uma certa reflexividade pós-moderna, em estilo experimental e literário, que resultou numa perspectiva culturalista, moralista e relativista da alteridade. As ansiedades teóricas e metodológicas intensificaram-se desde então, instigando etnógrafos e antropólogos a perguntarem: “Como podemos reformular as bases metodológicas da antropologia sem cair nas armadilhas essencialistas ou relativistas?”

Nesta comunicação, explorarei duas possíveis “terapias” para algumas ansiedades locais da chamada virada ontológica na antropologia, olhando exclusivamente para o artigo de 2020 de Morten Axel Pedersen “Phenomenology and the Ontological Turn” e sua defesa de como a antropologia é perfeitamente adequada para realizar a “redução fenomenológica” de Husserl. O filósofo analítico das ciências sociais, Akos Sivado, propõe uma análise das proposições da “virada” sobre como “olhar” para as coisas a partir de uma ontologia social e da metafísica das descrições dos tipos humanos. Apresentarei sua posição para então argumentar que, independentemente dos nossos compromissos metafísicos contra o construtivismo social, devemos primeiro contrastar em qual tipo de estrutura fenomenológica a virada se apoia, contrapondo-a ao trabalho mais recente de Matt Bower, importante fenomenologista e estudioso de Edmund Husserl. Ao fim, espero responder se, levando Husserl a sério, é possível realizar “em campo” a epoché e falar sobre as coisas-em-si que povoam o mundo dos outros.


Seminários de Investigação MLAG 2023/2024: https://ifilosofia.up.pt/activities/seminarios-de-investigacao-mlag-20232024

 

Organização:
André Silva
Avelino Costa
João Faria e Silva
José Xarez
Marcondes Rocha Carvalho
Ricardo Serrado
Sâmara Costa
(Estudantes de doutoramento de Filosofia da FLUP)
Mind, Language and Action Group (MLAG)
Instituto de Filosofia da Universidade do Porto – FIL/00502
Fundação para a Ciência e a Tecnologia (FCT) 

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