O projeto do Conservatório Calouste Gulbenkian de Aveiro foi encomendado a José Carlos Loureiro com o duplo fim de descentralizar o ensino artístico e fazer convergir as artes, congregando dança, música e artes visuais e performativas numa única escola secundária. A encomenda transgredia o centralismo da oferta educativa especializada concentrada em Lisboa e derrubava os muros entre as diferentes disciplinas artísticas. Maria Noémia Coutinho aproveitou a oportunidade como tema para o seu CODA em 1966. As inúmeras formas de brincar ilustradas por Brüghel em Jogos de Crianças inspiraram a organização da escola*.
O sector mais público agrega junto à entrada o auditório, a biblioteca e a grande sala polivalente para ballet, música de câmara ou galeria de exposições. O sector mais privado, organizado em redor do claustro, inclui cantina, salas de música, pintura, escultura e dança, e uma sala comum com uma lareira suspensa que só se acendia no São Martinho. A cuidada robustez dos materiais (betão, reboco pintado, madeira e tijoleiras) permitiu fazer chegar a escola aos dias de hoje sem obras de monta. Apesar de ter perdido o infantário e ter passado a funcionar em regime articulado, ainda celebra as marcas do tempo: os pisos gastos e as mesas das salas de artes com salpicos de tinta. Merece uma classificação e um cuidado restauro que lhe permita continuar a transgredir os seus e os nossos limites.
Joaquim Moreno
O CODA integra o arquivo 'EBAP / ESBAP / Curso de Arquitectura' do Centro de Documentação de Urbanismo e Arquitectura da FAUP e está disponível para consulta online no arquivo da FAUP no Portal dos Arquivos da U.Porto.
Mais informações: www.ccb.pt
* Das mil premissas que fomos recolhendo queríamos efectuar a síntese verdadeira. Muita coisa falhou, que seja relevada a intenção. (...) Creio que, ainda uma vez a resposta está feita. Se nos propusemos responder, passo a passo, iremos buscar um exemplo de 400 anos. No quadro de Brüghel que começa este trabalho, descobrimos com olhos deslumbrados mais de duzentas crianças (as crianças de Brüghel que tem caras de homens e mulheres) a brincarem os jogos que hoje, em 1966, as vemos brincar. Uma longa, tão longa lista. Saltar o eixo, ondular sobre barricas, soprar um fole, fazer girar o arco, jogar o berlinde e as pedrinhas, fazer procissões, enfileirar para "o bom barqueiro" e a "triste viuvinha", armar casinhas e altares, embalar bonecas, molhar os pés e a roupa, espreitar as coisas escondidas, andar em cavalinhos, passar o sapato, trepar às grades, caminhar nas andas; perseguir animais, imitar cortejos de casamento, lançar o pião, ocultar pausitos nas mãos, empurrar-se na cabra-cega, balouçar o corpo, tocar o tambor, construir brinquedos de paus, bugalho e penas. Um mundo infinito donde não se regressa facilmente.
Maria Noémia Coutinho, 'Uma escola de iniciação de arte', CODA ESBAP 1966, página 10.