Resenha Histórica da FMUP
Remonta ao ano de 1825 (Alvará de 25 de Junho de 1825) a criação da Régia Escola de Cirurgia do Porto, estabelecimento que, à semelhança do seu congénere em Lisboa, instituía um ensino regular de Cirurgia e assegurava uma formação qualificada e ajustada às necessidades do País. Tal iniciativa iria acabar com os abusos praticados pelos físico-mor e cirurgião-mor do reino, entidades facilitadoras do exercício da Medicina e Cirurgia por pessoas não graduadas. A ideia e a possibilidade de criação da Régia Escola de Cirurgia do Porto resultaram do dinamismo e saber do então Cirurgião-Mor Teodoro Ferreira de Aguiar (1769-1826) que lembrou a D. João VI (1767-1826) a necessidade da sua criação servindo-se de uma multa anual aplicada a contratadores de tabaco em ilegalidade. Sediada no Hospital da Misericórdia do Porto estava na dependência directa das deliberações do Provedor da Santa Casa da Misericórdia e do Sub-delegado do Cirurgião-Mor do Reino. O curso cirúrgico de cinco anos compreendia o ensino de Anatomia e Fisiologia (1º Ano), Matéria Médica, Farmácia e Higiene (2º Ano), Patologia Externa, Terapêutica e Clínica Cirúrgica (3º Ano), Medicina Operatória, Arte Obstetrícia e parte forense (4º Ano) e Patologia Interna e Clínica Médica (5º Ano). O ensino era da responsabilidade de cinco lentes proprietários, três substitutos e um porteiro. Cumpre-nos lembrar esses primeiros lentes da Escola Portuense: Vicente José de Carvalho (1792-1851), Francisco Pedro de Viterbo (1787-1848), António José de Sousa (1789-1837), Joaquim Inácio Valente (1789-1883), Bernardo Pereira da Fonseca Campeão (1793-1834) - lentes proprietários; Francisco de Assis e Sousa (1793-1834), Alexandre de Sousa Pinto (1781-1834), Bernardo Joaquim Pinto (1795-1852) - lentes substitutos e António Ferreira Braga (1802-1870) - porteiro. Apesar das limitações múltiplas de ordem política, governamental e económica a Escola Médica do Porto caracterizou-se por uma franca qualificação do ensino cirúrgico.
Em finais do ano de 1836 (Decreto de 29 de Dezembro de 1836) os triúnviros Vieira de Castro (1796-1842), Sá da Bandeira (1795-1876) e Manuel da Silva Passos (1801-1862) determinaram uma franca reforma dos estudos cirúrgicos que conduziram à criação da Escola Médico-Cirúrgica do Porto. Ao curriculum cirúrgico de 1825 associaram-se cadeiras novas de cariz médico. Nesta reforma de 1836 as condições de matrícula eram a idade mínima obrigatória de 14 anos e os exames de Lógica e Latim. Mais tarde exigiu-se 16 anos de idade e a frequência dos estudos preparatórios na Academia Politécnica. Nessa legislação criou-se o lugar de demonstrador.
Curriculum das Escolas Médico-Cirúrgicas, Lentes e Compêndios adoptados pela Escola Portuense (1836/1837)
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Ano |
Cadeira |
Lente |
Compêndio |
1º |
- Anatomia (1ª) |
- Bernardo Joaquim Pinto (L,P) |
- Anatomia de F. Soares Franco |
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2º |
- Fisiologia * e Higiene |
- José Pereira Reis (L,S)
- Francisco Veloso da Cruz (L,P,desde 17/5/1837)
- João Correia de Faria (L,S, desde 17/5/1837)
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- Fisiologia de Magendie |
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3º |
- História Natural dos Medicamentos, Matéria Médica e Farmácia (3ª)
- Patologia e Terapêutica Externas (4ª) |
- Francisco Pedro Viterbo (L,P)
- António Ferreira Braga (L,S) |
- Matéria Médica de Barbier
- Código Farmacêutico LusitanoRoche* e Sanson
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4º |
- Aparelhos e Operações Cirúrgicas, Cirurgia Forense (5ª)
- Partos*, Malésias das Mulheres, do Parto e dos Recém-Nascidos (6ª)
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- Vicente José de Carvalho (L,P)
- António Bernardino de Almeida (L,S, desde 17/5/1837)
- Vicente josé de Carvalho (L,P)
- José G.L.Câmara Sinval (L,P, desde 17/5/1837)
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- Operações de Bégin
- Medicina Forense de Ferreira Borges;
- Dugès
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5º |
- História Médica, Patologia Geral, Patologia e Terapêutica Internas (7ª)
- Clínica Médica* e Higiene Pública, Medicina Legal (8ª)
- Clínica Cirúrgica*(9ª)
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- Francisco de Assis e Sousa Vaz (L,P)
- Francisco de Assis e Sousa Vaz
- José Pereira Reis (L,P, desde 17/5/1837)
- António José de Sousa (L,P)
- João Tavares de Macedo (L,P)
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- Roche e Sanson
- Medicina Legal de Ferreira Borges
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* Novas cadeiras introduzidas pela reforma de 1836
(L,P) Lente Proprietário;
(L,S) Lente Substituto
Até 1883/84 o ensino manteve-se no Hospital de
Santo António. Após esta data, o ensino na Escola Médico-Cirúrgica do Porto passou a decorrer em edifício próprio nas imediações do Hospital de Santo António. Este novo espaço facilitou a organização dos vários sectores consignados pela Reforma de 1836: o Gabinete Anatómico, a Casa das Dissecções, o Gabinete de instrumentos cirúrgicos, o Gabinete de Matéria Médica e Farmácia, o Laboratório Farmacêutico, o Horto Botânico e a Biblioteca.
Haviam sido reunidas as condições necessárias para a formação de farmacêuticos e parteiras no seio da Escola Médico-Cirúrgica do Porto. A leitura das orações inaugurais proferidas no início de cada ano lectivo por um professor da Escola dá-nos conta das profundas transformações operadas no ensino, fruto de determinações legislativas ou da iniciativa do corpo docente da Escola Portuense.
Salienta-se a legislação de 1866 que elevava os alunos da Escola Médica a facultativos de pleno exercício, nivelando em igualdade de garantias e direitos toda a classe médica. Pelo decreto-lei de 22 de Fevereiro de 1911 a Escola Médico-Cirúrgica do Porto era elevada à categoria de Faculdade de Medicina, à semelhança da sua congénere de Lisboa. Tal facto, resultou da constatação, por parte dos dirigentes, do real valor do seu professorado dos clínicos aí formados. O reconhecimento generalizado do nível de formação desenvolvida explica a criação do ensino superior universitário (Decreto-lei de 22 de Março de 1911). Num primeiro ciclo leccionavam-se as disciplinas basilares do curso, ministrados em institutos próprios; no segundo ciclo competia aos hospitais e aos estabelecimentos especiais de serviço público anexos à Faculdade, tais como o Instituto de Higiene e a Morgue, a formação do estudante; no terceiro ciclo desenvolvia-se um estágio complementar onde havia liberdade para a preparação da tese doutoral.
O corpo docente abrangido pela reforma de 1911 compreendia dez professores ordinários, sete extraordinários, doze primeiros assistentes e dezasseis segundos assistentes. Com esta reforma de 1911 passa a ser da responsabilidade do ensino secundário o primeiro contacto do estudante com a Natureza e o desenvolvimento das faculdades de observação e o raciocínio indutivo. A economia de tempo instaurada abolia os preparatórios médicos. Cultivou-se a prática das ciências fundamentais em instalações e laboratórios especiais e independentes dos Hospitais. Prestou-se maior atenção às clínicas gerais, médicas, cirúrgicas, obstétricas, especialidades clínicas e à investigação científica. Promoveu-se o intercâmbio cultural e científico entre estabelecimentos de ensino superior nacionais e internacionais através da concessão de bolsas. Outros progressos introduzidos versavam o alargamento a autonomia administrativa, a alteração do regime de frequências e provas e a distribuição das disciplinas em dois grupos, o das básicas e o das clínicas, entre os principais.
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Cadeira |
Curso |
1º Grupo |
- Anatomia Descritiva
- Anatomia Topográfica
- Histologia e Embriologia
- Fisiologia Geral e Especial
- Farmacologia
- Anatomia Patológica
- Bacteriologia e Parasitologia
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- Química Biológica
- Física Biológica
- Ciências Naturais
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2º Grupo |
- Higiene
- 1ª Clínica Médica
- 2ª Clínica Cirúrgica
- Terapêutica e Técnica Cirúrgica
- Clínica Obstétrica
- Clínica Ginecológica
- Medicina Legal
- História e Filosofia Médicas, Ética profissional
- Clínica Oftalmológica
- Clínica Neurológica
- Clínica Psiquiátrica
- Clínica Urológica
- Clínica Otorrinolaringológica
- Clínica Dermatológica e Sifiligráfica
- Clínica Pediátrica
- Clínica Estomatológica
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- Epidemiologia
- Clínica de moléstias infecciosas
- Propedêutica Médica
- Toxiologia
- Psiquiatria Forense
- Clínica Ortopédica
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O curso médico decorria em seis anos lectivos no fim dos quais se obtinha o grau de Bacharel. Com a defesa final de uma tese adquiria-se o título de Doutor em Medicina e Cirurgia. As disciplinas de Física e Química Biológica e Ciências Naturais passaram a integrar o novo curriculum médico e a serem leccionadas nos primeiros semestres. Trinta e seis disciplinas agrupadas em básicas ou clínicas, organizadas em cursos, regidas por Professores ou primeiros assistentes, cadeiras regidas por Professores ordinários e extraordinários, compreendiam o curriculum médico de então.
Inúmeros projectos de reforma organizados por diferentes comissões acompanharam o progresso científico e tecnológico bem como, as novas exigências metodológicas de ensino teórico e clínico facilitadas pela construção de novos estabelecimentos de ensino assistencial. Estavam edificados os pilares do ensino médico portuense. A prova cabal da natureza do ensino médico ministrado foi a qualidade dos profissionais por si graduados. Essa organização do ensino muito ficou a dever ao valor científico e/ou assistencial, social e humano dos docentes da Escola Médica do Porto, nomes sonantes da vida pública e política nacional muitos com reconhecido mérito internacional. Alguns desses professores privilegiaram a História, a Arte e a Literatura portuguesas legando ao País um património de valor incomensurável e único.
Prof. Doutora Amélia Ferraz